O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Theatro da Paz


Thalita Leobas M. Barbosa [1]

Em Dezembro de 2013 a professora Patrícia Orfila organizou junto á seus alunos da Universidade Federal do Tocantins uma viagem à Belém do Pará, na disciplina História da Arquitetura e Urbanismo do Brasil, com o intuito de conhecermos a arquitetura local.
Com uma arquitetura marcante, Belém é uma cidade bastante contrastante. Suas ruas abrigam ao mesmo tempo arranha-céus modernos e prédios coloniais em um mesmo ambiente, causando assim muitas vezes, uma dúvida sobre o que realmente é mais belo. Outro ponto forte da capital Paraense é a facilidade com que seus pedestres podem trafegar pelas ruas. A cidade é parcialmente sombreada por enormes mangueiras que amenizam o intenso calor e facilita o translado a pé pela cidade. Mas como toda cidade grande, principalmente capitais, Belém também sofre pela desigualdade social e habitacional, com realidades adversas e com a falta de infraestrutura na cidade, fato esse marcado principalmente pelo esgoto que corre a céu aberto, fato esse visto em todas as áreas visitadas e na parte da cidade velha, por exemplo, ao lado do Mercado Ver-o-Peso, todo o esgoto desce e deságua na baía de Guajará, lugar este rodeado o tempo todo por urubus, os quais já viraram uma espécie de marco do local.
Com uma cidade desse tamanho e com tantos lugares com tamanha importância para a arquitetura brasileira, seriam necessários pelo menos uns cinco dias, para podermos conhecer tudo a fundo, mas como nosso tempo era curto em apenas dois dias de viagem, os principais marcos da arquitetura da capital Paraense foram conhecidos, Palácio de Bolonha, Mangal das Garças, Catedral de Nazaré, Estação das Docas, Mercado Ver-o-Peso, Parque da Residência, Hangar, Casa das Onze Janelas, Forte do Castelo e outros, dentre os quais, o que me mais me chamou atenção foi o Theatro da Paz.
                Apresentando uma arquitetura neoclássica, o Theatro da Paz é com certeza um dos pontos mais belos de Belém e uma referência na arquitetura. Atualmente apresenta-se como o maior teatro da região norte e um dos mais luxuosos do Brasil, considerado pelo IPHAN um dos Teatros-Monumentos do País.
                Embora o governo provincial tivesse sancionado uma lei em 1863 determinando a construção do teatro apenas em 3 de março de 1869 houve o lançamento da pedra fundamental pelo bispo D. Macedo Costa, com inicio das obras em julho do mesmo ano. Recebeu o nome de Theatro Nossa Senhora da Paz em homenagem ao fim da guerra do Paraguai, nome este alterado mais tarde pelo mesmo bispo sob a alegação de que o nome de “Nossa Senhora” seria indigno figurar na fachada de um espaço onde se tinha apresentações mundanas e sem nenhuma apresentação eclesiástica.
Sua construção se deu com os recursos auferidos da exportação do látex, no Ciclo da Borracha, dando a Belém o título de “a capital da borracha”. Apesar do progresso que a cidade já apresentava, ainda não possuía um teatro de grande porte, capaz de receber espetáculos do gênero lírico, por isso a população lotava modestos e desconfortáveis teatros, como a Casa da Ópera (ou Teatro Cômico) e o Providencia. Buscando satisfazer o anseio da sociedade da época, o governo da província contratou o engenheiro militar José Tiburcio de Magalhães que dá inicio ao projeto arquitetônico do teatro inspirado no Teatro Scalla de Milão, na Itália. Sua obra foi concluída em 1874, mas só foi inaugurado algum tempo depois devido á inúmeras denúncias contra os construtores. Outro alvo de críticas foi o orçamento da construção, quase 800 contos de réis, considerado alto demais para a então Belém, ainda carente de serviços básicos de saneamento. E em 1904 passou por uma grande reforma com alterações em sua fachada.
A noite de inauguração do teatro foi um acontecimento na vida social e cultural de Belém. As crônicas dos jornais são detalhistas da descrição da festa, iniciada antes mesmo da chegada do presidente da província, João Capistrano Bandeira de Melo Filho. Segue um trecho do registro de “A Província do Pará”.
“Esteve magnífica a festa de inauguração do Theatro N.S. da Pa, na noite de anteontem. Aquele grande edifício com um enorme número de portas em arcaria, com seu belo terraço na frente e varandas laterais, completamente iluminado interna e externamente, isolado no centro da vasta praça de Pedro II, cercado de milhares de pessoas, que não podendo ter ingresso, afluíram para contemplá-lo na noite de sua inauguração e estacionavam nas suas imediações, os carros de praça e os particulares que iam e vinham conduzindo passageiros, tudo isto enfim formava um conjunto admirável e dava um aspecto imponente e majestoso ao Theatro, que não obstante os defeitos arquitetônicos, que lhe notam os profissionais, não deixa de ser um monumento d’art...”
                Seu interior conta com um hall de entrada, corredor das frisas, salão de espetáculos e salão nobre, ambientes esses muito bem ornamentados. Cada ambiente possui características específicas como pisos e detalhes no teto.
O hall de entrada é composto por materiais decorativos importados da Europa, com escadaria em mármore italiano, estátuas em bronze e lustre francês. Apresenta dois bustos dos escritores José de Alencar e Gonçalves Dias. Seu piso, possivelmente o que mais chama atenção, um mosaico formado com pedras portuguesas e coladas com o grude Gurijuba, um peixe encontrado na região.
Finalmente chegando ao salão de espetáculos, não tem como não se encantar com tamanha beleza do local. Originalmente feito para 1100 lugares, mas após sua última reforma mantiveram-se apenas 900 lugares, oferecendo muito mais conforto a seus visitantes, porém suas cadeiras conservaram seu estilo original em madeira e palhinha. A pintura em afresco no teto central apresenta elementos da mitologia greco-romana fazendo uma alusão ao Deus Apolo conduzindo a Deusa Afrodite e as musas das artes à Amazônia. No centro do teto foi adaptado o lustre em bronze americano que substituiu um grande ventilador, utilizado na época para amenizar o calor. Nas paredes foram empregados motivos florais. O forro dos camarotes foi pintado obedecendo à hierarquia social da época. Para a primeira classe eram utilizadas as localidades da varanda, plateia, frisas, camarotes e proscênios de 1° ordem; para a segunda classe, galerias, camarotes e proscênios de 2° ordem e para a terceira classe, o paraíso. Os proscênios eram reservados às autoridades como prefeito, chefe de polícia e diretores de escolas. O Camarote Imperial, atualmente do governador, situado na 1° ordem de camarotes é ornamentado com mobília em madeira regional.
Ainda no salão de espetáculos há o famoso pano de boca, pintado por Carpezat, em seu ateliê em Paris. Inaugurado em 1890, celebra a República e a afirmação do positivismo no Pará. O painel “Alegoria à República” reúne, de forma ufanista, índios, mestiços e lusitanos saudando os novos tempos.
No segundo andar do Theatro situa-se o salão nobre, local onde a nobreza costumava se reunir para bailes, pequenos recitais e permaneciam durante os intervalos dos espetáculos. É um espaço altamente decorado com espelhos e lustres em cristal francês e bustos em mármore de carrara de dois grandes compositores da época, Carlos Gomes e Henrique Gurjão. O mezanino do salão era o local usado pelos músicos nos eventos sociais e frequentado pelas pessoas do paraíso em noites de espetáculos. Quanto à pintura do teto feita em 1960, é do Domenico de Angelis, que se inspirou nas musas da música ladeada pela fauna e flora amazônica. As paredes, pintadas por italianos, retratam motivos neoclássicos com buquês de flores. Durante a nossa visita o salão nobre passara por uma recente reforma em seu piso, por isso sua visitação foi restrita, limitando-nos a pisar apenas em um tapete vermelho estendido em pequena área.
A fachada frontal foi que recebera mais modificações desde o início do século XX. Havia uma polêmica de acordo com a norma do neoclássico italiano. Na regra diz que deve haver colunas pares e entradas ímpares, mas constatou-se o contrário no Theatro, com sete colunas e seis entradas. Na reforma de 1904, houve a transformação completa do teatro para moldá-lo aos padrões do belle époque, período entre 1890 e 1914, marcado pela importação de valores da cultura francesa. Foi recuado o frontão, retirando uma coluna e uma entrada e para decorar colocaram medalhões de musas, que representam as artes cênicas: comédia, poesia, música e tragédia e nas laterais, a dança. No centro da frontaria, está o Brasão do Estado do Pará. Há ainda duas luminárias na área balaustrada, uma representa o dia e a outra a noite.
Após a grande reforma, o teatro foi reaberto em 1905 com diversos espetáculos de grandes companhias italianas, mas nos anos seguintes foram substituídas por pequenas companhias com peças mais modestas e que possuíam artistas locais em sua composição. Seguia assim a decadência do ciclo da borracha, pois com a queda do preço do látex no mercado internacional, o Estado não dispunha de tantos recursos para incentivar espetáculos de grande porte.
Ao longo da década de 60, houve várias reformas. Na primeira delas contratou-se o artista brasileiro Armando Balloni para realizar nova pintura no teto do Foyer, desta vez com a temática amazônica, o que gerou grande polêmica. Em 1963, o teatro foi tombado pelo serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e em seguida iniciaram-se novas obras de reforma, com a reconstrução do palco, camarins e outras dependências.
Entre 1971 e 1975, fez-se a reconstrução das estruturas frontais e laterais, remanejamento estrutural de telhado e platibandas, restauração da rede elétrica e de esgoto. A reabertura se deu em 15 de fevereiro de 1975 com a comemoração dos 70 anos do maestro Waldemar Henrique, diretor do teatro por mais de uma década. Em 1977, ás vésperas do centenário o teatro foi fechado para restauro. As obras abrangeram a recuperação do sistema acústico e instalação do sistema de ar condicionado assim como de novos equipamentos de luminotécnica e cenotécnica. O pano de boca, por muitos anos em completo abandono, foi restaurado. Foi reaberto novamente em 15 de fevereiro de 1978. Na comemoração aos 111 anos do teatro em 1988, foram restaurados os lustres de cristal, o mobiliário, a decoração do proscênio com a reposição de folhas de ouro e foi feita a descupinização de todo o prédio. Em 1996 formou-se a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz (OSTP), a primeira de sua história e a primeira do gênero da região Norte.
Vale ressaltar que nem só de arte viveu o teatro. Ao longo do século 20, foram oferecidos jantares e banquetes, promoveram-se convenções político-partidárias e até mesmo a Assembleia Legislativa do Estado realizou ali sessões, em 1959.
Por ser símbolo de um dos momentos mais importantes da história do Pará, a era da borracha, o Theatro da Paz suscita uma eterna saudade: a efervescência artística daqueles tempos. A cada novo esforço empreendido em favor da manutenção do teatro, os discursos registrados pela imprensa expressam a vontade de Belém fazer reviver um tempo que já não existe, mas se cristalizou na memória coletiva. Na verdade manter ativo o Theatro da Paz e reativar sua vida artística não é apenas uma demonstração de zelo pela história, mas de dinamização da própria história.

Figura 1 - Fachada frontaria Fonte: http://dougposta.blogspot.com.br/2013/01/conhecendo-belem-theatro-da-paz.html

Figura 2 - Salão de Espetáculos Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1328223

Figura 3 - Vista do palco Fonte: http://www.thegreenclub.com.br/arquitetura/theatro-da-paz-uma-joia-neoclassica-na-amazonia

Figura 4 - Theatro localizado na praça Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2008/07/14/arquitetura-theatro-da-paz-de-jose-tiburcio-113891.asp

Figura 5 - Hall de entrada Fonte (arquivo pessoal)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O THEATRO DA PAZ E SUA HISTÓRIA – POR ROSE SILVEIRA

Disponível em <http://archive.is/rqsxm> Acesso em janeiro 2014
<http://www.theatrodapaz.com.br/> Acesso em janeiro 2014

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