Thalita Leobas M. Barbosa [1]
Em Dezembro de
2013 a professora Patrícia Orfila organizou junto á seus alunos da Universidade
Federal do Tocantins uma viagem à Belém do Pará, na disciplina História da
Arquitetura e Urbanismo do Brasil, com o intuito de conhecermos a arquitetura local.
Com uma arquitetura
marcante, Belém é uma cidade bastante contrastante. Suas ruas abrigam ao mesmo
tempo arranha-céus modernos e prédios coloniais em um mesmo ambiente, causando
assim muitas vezes, uma dúvida sobre o que realmente é mais belo. Outro ponto
forte da capital Paraense é a facilidade com que seus pedestres podem trafegar
pelas ruas. A cidade é parcialmente sombreada por enormes mangueiras que
amenizam o intenso calor e facilita o translado a pé pela cidade. Mas como toda
cidade grande, principalmente capitais, Belém também sofre pela desigualdade
social e habitacional, com realidades adversas e com a falta de infraestrutura
na cidade, fato esse marcado principalmente pelo esgoto que corre a céu aberto,
fato esse visto em todas as áreas visitadas e na parte da cidade velha, por
exemplo, ao lado do Mercado Ver-o-Peso, todo o esgoto desce e deságua na baía
de Guajará, lugar este rodeado o tempo todo por urubus, os quais já viraram uma
espécie de marco do local.
Com uma cidade
desse tamanho e com tantos lugares com tamanha importância para a arquitetura
brasileira, seriam necessários pelo menos uns cinco dias, para podermos
conhecer tudo a fundo, mas como nosso tempo era curto em apenas dois dias de
viagem, os principais marcos da arquitetura da capital Paraense foram
conhecidos, Palácio de Bolonha, Mangal das Garças, Catedral de Nazaré, Estação
das Docas, Mercado Ver-o-Peso, Parque da Residência, Hangar, Casa das Onze
Janelas, Forte do Castelo e outros, dentre os quais, o que me mais me chamou
atenção foi o Theatro da Paz.
Apresentando
uma arquitetura neoclássica, o Theatro da Paz é com certeza um dos pontos mais
belos de Belém e uma referência na arquitetura. Atualmente apresenta-se como o
maior teatro da região norte e um dos mais luxuosos do Brasil, considerado pelo
IPHAN um dos Teatros-Monumentos do País.
Embora
o governo provincial tivesse sancionado uma lei em 1863 determinando a
construção do teatro apenas em 3 de março de 1869 houve o lançamento da pedra
fundamental pelo bispo D. Macedo Costa, com inicio das obras em julho do mesmo
ano. Recebeu o nome de Theatro Nossa Senhora da Paz em homenagem ao fim da
guerra do Paraguai, nome este alterado mais tarde pelo mesmo bispo sob a
alegação de que o nome de “Nossa Senhora” seria indigno figurar na fachada de
um espaço onde se tinha apresentações mundanas e sem nenhuma apresentação
eclesiástica.
Sua construção
se deu com os recursos auferidos da exportação do látex, no Ciclo da Borracha,
dando a Belém o título de “a capital da borracha”. Apesar do progresso que a
cidade já apresentava, ainda não possuía um teatro de grande porte, capaz de
receber espetáculos do gênero lírico, por isso a população lotava modestos e
desconfortáveis teatros, como a Casa da Ópera (ou Teatro Cômico) e o
Providencia. Buscando satisfazer o anseio da sociedade da época, o governo da
província contratou o engenheiro militar José Tiburcio de Magalhães que dá
inicio ao projeto arquitetônico do teatro inspirado no Teatro Scalla de Milão,
na Itália. Sua obra foi concluída em 1874, mas só foi inaugurado algum tempo
depois devido á inúmeras denúncias contra os construtores. Outro alvo de
críticas foi o orçamento da construção, quase 800 contos de réis, considerado
alto demais para a então Belém, ainda carente de serviços básicos de
saneamento. E em 1904 passou por uma grande reforma com alterações em sua
fachada.
A noite de
inauguração do teatro foi um acontecimento na vida social e cultural de Belém.
As crônicas dos jornais são detalhistas da descrição da festa, iniciada antes
mesmo da chegada do presidente da província, João Capistrano Bandeira de Melo
Filho. Segue um trecho do registro de “A Província do Pará”.
“Esteve magnífica a festa de
inauguração do Theatro N.S. da Pa, na noite de anteontem. Aquele grande
edifício com um enorme número de portas em arcaria, com seu belo terraço na
frente e varandas laterais, completamente iluminado interna e externamente,
isolado no centro da vasta praça de Pedro II, cercado de milhares de pessoas,
que não podendo ter ingresso, afluíram para contemplá-lo na noite de sua
inauguração e estacionavam nas suas imediações, os carros de praça e os
particulares que iam e vinham conduzindo passageiros, tudo isto enfim formava
um conjunto admirável e dava um aspecto imponente e majestoso ao Theatro, que
não obstante os defeitos arquitetônicos, que lhe notam os profissionais, não
deixa de ser um monumento d’art...”
Seu
interior conta com um hall de entrada, corredor das frisas, salão de
espetáculos e salão nobre, ambientes esses muito bem ornamentados. Cada
ambiente possui características específicas como pisos e detalhes no teto.
O hall de
entrada é composto por materiais decorativos importados da Europa, com
escadaria em mármore italiano, estátuas em bronze e lustre francês. Apresenta dois
bustos dos escritores José de Alencar e Gonçalves Dias. Seu piso, possivelmente
o que mais chama atenção, um mosaico formado com pedras portuguesas e coladas
com o grude Gurijuba, um peixe encontrado na região.
Finalmente
chegando ao salão de espetáculos, não tem como não se encantar com tamanha
beleza do local. Originalmente feito para 1100 lugares, mas após sua última
reforma mantiveram-se apenas 900 lugares, oferecendo muito mais conforto a seus
visitantes, porém suas cadeiras conservaram seu estilo original em madeira e
palhinha. A pintura em afresco no teto central apresenta elementos da mitologia
greco-romana fazendo uma alusão ao Deus Apolo conduzindo a Deusa Afrodite e as
musas das artes à Amazônia. No centro do teto foi adaptado o lustre em bronze
americano que substituiu um grande ventilador, utilizado na época para amenizar
o calor. Nas paredes foram empregados motivos florais. O forro dos camarotes foi
pintado obedecendo à hierarquia social da época. Para a primeira classe eram
utilizadas as localidades da varanda, plateia, frisas, camarotes e proscênios
de 1° ordem; para a segunda classe, galerias, camarotes e proscênios de 2°
ordem e para a terceira classe, o paraíso. Os proscênios eram reservados às autoridades
como prefeito, chefe de polícia e diretores de escolas. O Camarote Imperial,
atualmente do governador, situado na 1° ordem de camarotes é ornamentado com
mobília em madeira regional.
Ainda no salão
de espetáculos há o famoso pano de boca, pintado por Carpezat, em seu ateliê em
Paris. Inaugurado em 1890, celebra a República e a afirmação do positivismo no
Pará. O painel “Alegoria à República” reúne, de forma ufanista, índios,
mestiços e lusitanos saudando os novos tempos.
No segundo
andar do Theatro situa-se o salão nobre, local onde a nobreza costumava se
reunir para bailes, pequenos recitais e permaneciam durante os intervalos dos
espetáculos. É um espaço altamente decorado com espelhos e lustres em cristal
francês e bustos em mármore de carrara de dois grandes compositores da época,
Carlos Gomes e Henrique Gurjão. O mezanino do salão era o local usado pelos
músicos nos eventos sociais e frequentado pelas pessoas do paraíso em noites de
espetáculos. Quanto à pintura do teto feita em 1960, é do Domenico de Angelis,
que se inspirou nas musas da música ladeada pela fauna e flora amazônica. As
paredes, pintadas por italianos, retratam motivos neoclássicos com buquês de
flores. Durante a nossa visita o salão nobre passara por uma recente reforma em
seu piso, por isso sua visitação foi restrita, limitando-nos a pisar apenas em
um tapete vermelho estendido em pequena área.
A fachada
frontal foi que recebera mais modificações desde o início do século XX. Havia
uma polêmica de acordo com a norma do neoclássico italiano. Na regra diz que
deve haver colunas pares e entradas ímpares, mas constatou-se o contrário no
Theatro, com sete colunas e seis entradas. Na reforma de 1904, houve a
transformação completa do teatro para moldá-lo aos padrões do belle époque, período entre 1890 e 1914,
marcado pela importação de valores da cultura francesa. Foi recuado o frontão,
retirando uma coluna e uma entrada e para decorar colocaram medalhões de musas,
que representam as artes cênicas: comédia, poesia, música e tragédia e nas
laterais, a dança. No centro da frontaria, está o Brasão do Estado do Pará. Há
ainda duas luminárias na área balaustrada, uma representa o dia e a outra a
noite.
Após a grande
reforma, o teatro foi reaberto em 1905 com diversos espetáculos de grandes companhias
italianas, mas nos anos seguintes foram substituídas por pequenas companhias
com peças mais modestas e que possuíam artistas locais em sua composição.
Seguia assim a decadência do ciclo da borracha, pois com a queda do preço do
látex no mercado internacional, o Estado não dispunha de tantos recursos para
incentivar espetáculos de grande porte.
Ao longo da
década de 60, houve várias reformas. Na primeira delas contratou-se o artista
brasileiro Armando Balloni para realizar nova pintura no teto do Foyer, desta
vez com a temática amazônica, o que gerou grande polêmica. Em 1963, o teatro
foi tombado pelo serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e
em seguida iniciaram-se novas obras de reforma, com a reconstrução do palco,
camarins e outras dependências.
Entre 1971 e
1975, fez-se a reconstrução das estruturas frontais e laterais, remanejamento
estrutural de telhado e platibandas, restauração da rede elétrica e de esgoto.
A reabertura se deu em 15 de fevereiro de 1975 com a comemoração dos 70 anos do
maestro Waldemar Henrique, diretor do teatro por mais de uma década. Em 1977,
ás vésperas do centenário o teatro foi fechado para restauro. As obras
abrangeram a recuperação do sistema acústico e instalação do sistema de ar
condicionado assim como de novos equipamentos de luminotécnica e cenotécnica. O
pano de boca, por muitos anos em completo abandono, foi restaurado. Foi
reaberto novamente em 15 de fevereiro de 1978. Na comemoração aos 111 anos do
teatro em 1988, foram restaurados os lustres de cristal, o mobiliário, a
decoração do proscênio com a reposição de folhas de ouro e foi feita a
descupinização de todo o prédio. Em 1996 formou-se a Orquestra Sinfônica do
Theatro da Paz (OSTP), a primeira de sua história e a primeira do gênero da região
Norte.
Vale ressaltar
que nem só de arte viveu o teatro. Ao longo do século 20, foram oferecidos
jantares e banquetes, promoveram-se convenções político-partidárias e até mesmo
a Assembleia Legislativa do Estado realizou ali sessões, em 1959.
Por ser
símbolo de um dos momentos mais importantes da história do Pará, a era da
borracha, o Theatro da Paz suscita uma eterna saudade: a efervescência
artística daqueles tempos. A cada novo esforço empreendido em favor da
manutenção do teatro, os discursos registrados pela imprensa expressam a
vontade de Belém fazer reviver um tempo que já não existe, mas se cristalizou
na memória coletiva. Na verdade manter ativo o Theatro da Paz e reativar sua
vida artística não é apenas uma demonstração de zelo pela história, mas de
dinamização da própria história.
Figura 1 - Fachada
frontaria Fonte: http://dougposta.blogspot.com.br/2013/01/conhecendo-belem-theatro-da-paz.html
Figura 2 - Salão
de Espetáculos Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1328223
Figura 3 - Vista
do palco Fonte: http://www.thegreenclub.com.br/arquitetura/theatro-da-paz-uma-joia-neoclassica-na-amazonia
Figura 4 - Theatro
localizado na praça Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2008/07/14/arquitetura-theatro-da-paz-de-jose-tiburcio-113891.asp
Figura 5 - Hall de entrada Fonte
(arquivo pessoal)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O THEATRO DA PAZ E SUA HISTÓRIA –
POR ROSE SILVEIRA
Disponível em <http://archive.is/rqsxm> Acesso em
janeiro 2014
<http://www.theatrodapaz.com.br/>
Acesso em janeiro 2014
Perfect!!
ResponderExcluirMeu tio o pianista Oriano de Almeida, muito se apresentou neste Theatro quando vivo.
ResponderExcluirVocê é filho de qual dos irmãos? Ossi, Origenes, Ossiam ou do Oswaldo?
ExcluirEsse teatro é belíssimo!
ResponderExcluirparabéns por apresentá-lo com riqueza de detalhes.
massa
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