Por Victor Vinissius Marinho da Costa**
Transformar uma visita técnica numa das maiores experiências culturais e de contato com o patrimônio histórico brasileiro de um estudante, de certo não é das tarefas mais fáceis. Porém para se atingir tal objetivo Belém sem duvida alguma é um destino certo. Principalmente aos que vivem na região norte/nordeste do Brasil, não excluindo claro a importância desse contato para as regiões sul/sudeste de forma a desmistificar a ideia instaurada na população brasileira de que somente na região sudeste existe patrimônio histórico do período colonial.
Uma visita a Belém certamente não terá o mesmo impacto, sem uma breve conversa, com o Arquiteto Paulo Chaves, secretário da cultura do estado do Pará, no período em que foi realizada a visita à capital paraense pela turma de História da Arquitetura e Urbanismo, em dezembro de 2013 concedeu o privilegio a esse grupo de alunos. Com o grande empenho da professora Patrícia Orfila e as empolgantes palavras de Paulo Chaves, é fácil reconhecer a importância do trabalho de preservação e restauração do patrimônio cultural belenense.
Paulo Chaves enriquece uma conversa pela simples vontade de instaurar nos ouvintes não apenas conteúdo histórico, mas como também instigar vontade e amor pelo que cada um faz e com o que cada um irá tratar, tratávamos naquele momento de Patrimônio Histórico, de conservação histórica, de riqueza cultural. Riqueza facilmente encontrada nas ruas, aparecendo nas calçadas, nas casas, nos prédios, nas praças, nos parques, no dia-a-dia do cidadão belemense. Uma cidade que reflete a escala humana e todos os seus sentidos, que participa ativamente das emoções e da construção das pessoas que nela vivem, moldando os cidadãos a partir de um conteúdo histórico riquíssimo, que faz com que o cidadão participe do ambiente urbano, o que ajuda na preservação dessa diversidade do patrimônio histórico. Belém tem na sua estrutura urbana e no seu patrimônio histórico a diversidade, é uma cidade que reconhece a arte como parte fundamental do espaço urbano e a partir desse reconhecimento desperta emoções. Como Gehl explica em uma de suas obras:
“No decorrer da historia, a arte fez contribuições valiosas para a qualidade do espaço, através de monumentos, esculturas, fontes, detalhes de construções e decoração. A arte comunica beleza, monumentalidade, memória de eventos importantes, comentários sobre a vida em sociedade, os concidadãos e a vida urbana, junto com surpresas e humor. Agora, como sempre o espaço urbano pode atender a uma função relevante como uma interface entre arte e gente.”(GEHL, Jan – Cidades para pessoas, 1º edição, Ed. Perspectiva/2013, pag. 179)
Essa riqueza que instiga o conhecimento através de uma simples caminhada, tem como protetoras do calor as centenárias mangueiras, que também fazem parte desse patrimônio, caminhada essa que no primeiro dia em Belém me rendeu o primeiro contato com com sua riqueza, através do simples caminhar encontra-se exemplares dos mais diversos estilos arquitetônicos: art nouveau, eclético, colonial, barroco, os quais muitas vezes geram confusão no observador devido a grande quantidade e presença constante.
Foto: Mangueiras nas ruas de Belém (arquivo Pessoal)
Ao se tentar organizar suas características, observar, identificar, para buscar assim distingui-los, de certo o observador se verá apenas contemplando, apreciando, sentindo toda as sensações que provavelmente não conseguira classificar. E que terá entre elas o encanto com toda certeza, como a mais simples de se descrever. Essa profusão de elementos presente nesses estilos, por muitas vezes durante a observação gerará um transe, que em Belém será quebrado pela necessidade de continuar a caminhada e assim receber mais conteúdo, mais sentimento, ou como Gehl comenta: impressões mais fortes , quando relaciona o ambiente urbano aos sentidos e emoções.
“Em grandes distancias, recolhemos grande quantidade de informações, mas das distancias curtas recebemos impressões sensoriais muito intensas e emocionalmente significativas. O que é comum aos sentidos que operam a curtas distancias – olfato e tato e também a capacidade de reconhecer sinais de temperatura- é que eles estão mais proximamente ligados ás nossas emoções.” (GEHL, Jan – cidades para pessoas , 1º edição, Ed. Perspectiva/2013, pag.47)
Essa riqueza cultural, de tantos exemplares de diferentes estilos é resultado de uma Belém que gerou riquezas a perder de vista durante o ciclo da borracha. O ciclo da borracha proporcionou aos seringalistas muita riqueza, reformulando a estrutura social em Belém. Com seringalistas enviando filhos a Europa para estudar, passando ferias na Europa, esses novos burocratas eram atraídos pelo conforto a morar na cidade, que começava a demonstrar os prazeres da Belle Époque, esses seringalistas encheram as ruas de Belém com os exemplares da Arquitetura Art Nouveau , facilmente encontrados no ambiente urbano da cidade.
Toda essa riqueza tirada dos seringais refletia no dia-a-dia dos seus proprietários, os chamados coronéis da borracha. Essa riqueza trazida pelo látex, e a busca desses coronéis pelo luxo e ostentação de suas riquezas, culminou na realização de diversas construções, como o mercado municipal do ver-o-peso, todo em estilo art nouveau; o palacete de bolonha, grande representante do estilo eclético; e até mesmo o Teatro da Paz, este ultimo que consegue numa simples visita gerar um grande numero de emoções que simultaneamente, e que para muitos dos que visitaram Belém, retrata fortemente o período da Belle Époque.
Foto: Palacete Bolonha, Estilo Eclético (arquivo pessoal)
O Teatro da Paz veio como a cereja do bolo em Belém, uma capital que enriquecia pela exploração dos coronéis sobre os seringais. Uma capital rica mas que não tinha um grande teatro onde se pudessem realizar grandes espetáculos líricos, praticamente retirando de Belém qualquer ambição de ostentar o rotulo de grande cidade brasileira, que tinham nos teatros um símbolo não só de riqueza mas também de esplendor. Esplendor esse que era exaltado pelos veículos de comunicação da “époque”, que tratava de colocar o teatro nos mais comentados assuntos no período, como era comum no período, pois o teatro era ostentado como uma manifestação artística da mais alta qualidade. Característica essa fácil de se entender o porque quando se entra na sala de espetáculos e o porque da elite do período fazer tanta questão de ostentá-la. Por isso sua inauguração deveria ser à altura do status que viria a ser atingido por Belém após seu funcionamento:
"A noite da abertura levou ao teatro a “gente escolhida” de Belém, como os jornais costumavam referir‑se à classe alta. Ao redor do edifício, populares se acotovelavam para ver a movimentação dos carros e a chegada dos convidados. Um espetáculo à parte. O presidente da Província foi saudado com foguetes e por uma banda de música. Aberta a cena, ouviram‑se o Hino Nacional e a marcha Gram‑Para, de autoria do maestro maranhense Libânio Colás. Em seguida, Colás regeu a ópera As Duas Orfas, de A. D’Ennery, com os artistas da Empresa Vicente. Com sua companhia, Vicente Pontes de Oliveira levou à cena nomes conhecidos do público da capital: Manuela Lucci, que também era sua esposa, Emília Câmara, Joaquim Infante da Câmara, Júlio Xavier de Oliveira, Xisto Bahia e Maria Bahia. A temporada contou, ainda, com Guilherme da Silveira, João Máximo Coelho e Chrispim do Amaral, cenógrafo e ator. Posteriormente, o elenco foi ampliado com a contratação de Rosa Manhonça, Izabel Maria Cândida, Cândida de Mendonça, Augusto Cezar, A. C. Braga, Martin C. Manhonça e Carlos David."( De SOUZA, Roseane Silveira, Dissertação de Mestrado: Teatro da Paz: Histórias invisíveis em Belém do Grão-Pará. PUC-SP/2009)
Esplendor esse que começa a ser sentido a partir do seu exterior, em estilo Neoclássico, o Teatro da Paz foi concebido pelo engenheiro militar Tiburcio de Magalhães, que usa como fonte de inspiração o teatro Scalla de Milão na Itália. O teatro foi fundado em fevereiro de 1878, exatamente 130 anos de história numa obra arquitetônica que transmite com todo seu valor histórico o privilégio de se visitar tal construção. Imponente aos olhos, trás de forma dupla uma grande experiência que gera bastante conhecimento, tanto por ser um exemplar de teatro do período colonial, como também por ser uma construção de estilo neoclássico, podendo se dizer até que de forma tripla, por se tratar de um exemplar feito aos moldes do neoclássico italiano.
Foto: Fachada Frontal Teatro da Paz (arquivo pessoal)
A bilheteria atual nem de longe expressa todo o esplendor que se espera de um teatro colonial, permitindo assim que durante a compra dos ingressos se possa ter contato com outro dos grandes ícones de Belém, que deixa até os mais novos aprendizes da vida boêmia, fascinado imaginando como seria, sentar-se ali, morando numa cidade como Belém, tomando alguns copos de cerveja, após uma dura rotina de estudos e trabalhos, desfrutando de uma boa conversa, nesse tipo de cenário imaginado, nem os mais pessimistas podem encontrar algum que seja desfavorável, levando-se em conta toda essa riqueza cultural disponível durante todo ano, para quem vive em Belém.
Foto: Bar do Parque visto da bilheteria do Teatro (arquivo pessoal)
Na bilheteria do teatro, o ambiente tem em exposição alguns folhetos de programação originais de mais de cinquenta anos que estão expostos, simplesmente fascinante, fascínio que no interior do teatro é por muito mais alimentado.
Foto: Folheto em exposição na bilheteria (arquivo pessoal)
Quando no Hall de Entrada me deparei com o tapete vermelho, um lustre francês, o piso da escadaria em mármore italiano, me imaginei naquela “époque”, vivendo aquele momento, tentando imaginar se as pessoas sentiam todo aquele prazer de estar ali que eu estava sentindo, mesmo que somente na primeira vez. Olhava do piso ao teto esmiuçando todos os detalhes, e que riqueza de detalhes, piso alias que deteve grande parte de minha atenção dado os mosaicos belíssimos em pedra portuguesa.
Foto: Hall de Entrada do teatro (arquivo pessoal)
Foto: Hall de Entrada do teatro - Lustre (arquivo pessoal)
Subindo as escadarias para se dirigir ao salão de espetáculos passasse antes pelo corredor das frisas e a riqueza de detalhe presente em todo o ambiente do teatro instiga olhos e coração, principalmente os não acostumados a arquiteturas tão rebuscadas, com tantos detalhes.
Ao adentrar na sala de espetáculos, se constata o porque da importância de se conhecer Belém. Olhando-se para todos os lados, para cima e para baixo, para a boca de cena, para os camarotes, o observador se depara com elementos capazes de bombardear os sentidos com conteúdo, a sala de espetáculo tem aproximadamente novecentos lugares, sentando-se na parte de trás da plateia, é possível vislumbrar cada detalhe, desde as cadeiras, adequadas ao clima à pintura no teto que retrata elementos da mitologia greco-romana mesclados com elementos da cultura amazônica. Durante a visita ocorria um ensaio de uma apresentação de Ballet, que me fez imaginar como ocorriam ali os espetáculos durante a Belle époque , como menciona Nazaré:
“Para seu entretenimento, mandavam buscar companhias artísticas na França, em Portugal e Rio de Janeiro, as quais fizeram época no Theatro da Paz. Calcula-se que de fevereiro a Dezembro de 1878, foram apresentados no Teatro aproximadamente 126 espetáculos” (SARGES, Maria de Nazáré Livro: Belém riquezas produzindo a Belle Époque 1870-1972, Pag 113)
Muitas apresentações num período de tempo tão pequeno, Belém refletia com esplendor a Belle Époque, fazendo da capital paraense parada obrigatória para os que apreciavam os valores da Belle époque, como também, grandes espetáculos.
Foto: Sala de Espetáculos (arquivo pessoal)
Foto: Sala de Espetáculos (arquivo pessoal)
Foto: Sala de Espetáculos Teto (arquivo pessoal)
Depois da sala de espetáculos nos dirigimos ao salão nobre, onde o publico selecionado das apresentações ou seja os mais ricos ostentavam seu poder, seja por bailes, ou conversas durante os intervalos dos espetáculos.
Foto: Salão Nobre (arquivo pessoal)
Foto: Salão Nobre (arquivo pessoal)
Foto: Salão Nobre Teto (arquivo pessoal)
Um passeio por Belém pode ser resumido por algumas palavras, dentre elas a principal é o aprendizado, ressaltando-se o prazer sensorial, resultado de uma cidade rica em cultura e diversidade, que preserva seu patrimônio histórico, garantindo assim que outras pessoas possam conhecer essas riquezas e passem a ter uma admiração pela capital paraense, até mesmo uma paixão, colocando a cidade assim, para sempre na personalidade de quem a visita.
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*artigo referente a primeira avaliação da disciplina de HAUB(Historia da Arquitetura e
Urbanismo do Brasil) do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Tocantins.
**Aluno do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Tocantins. E-mail:
victorcosta@uft.edu.br
*artigo referente a primeira avaliação da disciplina de HAUB(Historia da Arquitetura e
Referências Bibliográficas
GEHL, Jan – Livro: Cidades para Pessoas, 1º edição, Ed. Perspectiva/2013
SARGES, Maria de Nazaré – Livro: Bélem, riquezas produzindo a Belle Époque (1870-1912) 3º ediçao Ed. Paka-tatu/2010
DE SOUZA, Roseane Silveira,Dissertação de Mestrado: Teatro da Paz: Histórias invisíveis em Belém do Grão-Pará. PUC-SP/2009
FERRANTI, Tatiara Rodrigues e DE SOUZA, Cellayne Patricia Brito, Artigo: Arte e Cultura na Belém da Belle Époque. Revista Trías/2013
<http://www.theatrodapaz.com.br/pagina.php?cat=156¬icia=367>(acesso em 20/12/2013)
Artigo muito empolgante, não ha como não falar de Belém e não ser um pouco poéta.. a cidade realmente é incrivél...
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