O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Revitalização da Igreja de Santo Alexandre (Museu de Arte Sacra do Pará) Por Loíse Corrêa Alencar

Revitalização da Igreja de Santo Alexandre (Museu de Arte Sacra do Pará)

Loíse Corrêa Alencar*

A Igreja de Santo Alexandre foi sede do Colégio e da Companhia de Jesus na época do Brasil colônia. Começou a ser construída por volta de 1698 e foi concluída em 1719. O colégio foi dedicado a Santo Alexandre de Bergamo por abrigar relíquias do santo doadas pelo Papa Urbano VIII, mas anteriormente foi dedicada a São Francisco Xavier. Em 1759, os jesuítas foram expulsos e o colégio foi reformado e passou a ser usado como palácio dos bispos da cidade, foi o local de hospedagem do Papa João Paulo II, quando este visitou Belém em 1980.
A igreja foi construída com mão-de-obra indígena empregada pelos jesuítas. Os próprios púlpitos e obras que ornamentam a igreja são atribuídos ao padre austríaco João Xavier Traer, que dirigiu a oficina de escultura do colégio durante as primeiras décadas do século XIII e ensinou a técnica aos indígenas.
Segundo Ramiro Quaresma, a igreja possui estilo arquitetônico geral correspondente ao maneirismo, favorecido pelos padres jesuítas portugueses, e é um dos templos mais importantes erguido pelos padres da Companhia do Brasil. Pode-se perceber, inclusive, a semelhança com a Igreja Jesuíta de Salvador, atual Catedral Basílica Primacial de São Salvador, construída entre 1652 e 1672. As duas são importantes monumentos barrocos dos centros históricos de Belém e Salvador, respectivamente. No entanto, a igreja de Belém foi construída com menor rigor técnico, provavelmente devido à mão-de-obra de caráter indígena empregada pelos jesuítas.
Além do edifício principal, correspondente à igreja, no decorrer do século XVIII, o edifício do Colégio foi construído anexado a primeira. Quanto às características arquitetônicas, a igreja possui uma monumental fachada com quatro andares de altura. O frontão da parte superior da fachada é formado por duas grandes volutas, que formam um topo no seu encontro, onde há uma cruz e é ladeado por duas torres. O frontão também possui alguns nichos, onde antes eram abrigadas estátuas de santos jesuítas que hoje estão perdidas.
As três portas de acesso ao primeiro piso do templo também são ornamentadas com volutas, enquanto os pilares são decorados com motivos maneiristas em alto-relevo, o que cria interessantes efeitos de luz e sombra.

Fachada da Igreja e Colégio Santo Alexandre, a igreja é frequentemente alugada para casamentos e outros eventos. Fonte: Mariana e Fabrício.

O interior da igreja é composto por nave única em forma de cruz latina, com quatro capelas de cada lado, além de uma sacristia, que se encontra ao lado da capela-mor. Essa sacristia, situada na lateral esquerda da nave é ornada com retábulo dourado, trabalhada a pintura no forro e apresenta grande arcaz do século XVIII. No coro está exposta a imaginária sacra, e se tem uma ampla visão da nave da Igreja. Próximo às tribunas as imagens de roca, utilizadas em procissões e fabricadas no século XIX, ganham destaque juntamente com anjos adoradores. Destacam-se também as obras em talha esculpidas por João Xavier Traer e os indígenas da sua oficina de arte. Dentre essas obras, destacam-se dois magníficos púlpitos, no estilo “Dom João V”, decorados com anjinhos inspirados na arte barroca austríaca, de onde se originou Traer. Destacam-se também os retábulos nas capelas laterais e capela mor. (Revista Salão Xumucuís de Arte Digital, 2010).

Hoje a Igreja está integrada ao Museu de Arte Sacra (MAS), fez parte de um projeto de revitalização do centro histórico de Belém, tanto a igreja quanto o colégio foram tombados pelo IPHAN, em 1941.
O edifício correspondente ao colégio possui loja, galeria de arte, biblioteca, além de áreas destinadas ao restauro de obras. O edifício da igreja é destinado a missas esporádicas, apresentação de concertos de música, teatro, casamentos, entre outros eventos, informações sobre a programação do museu e os horários de visitação também podem ser encontradas no site da Prefeitura de Belém.
O Museu foi inaugurado em 28 de setembro de 1998, possui mais de 400 peças em seu acervo, composto por peças sacras de pintura, talha, gesso e prataria. As coleções primeiramente foram compostas por peças provenientes da própria Igreja de Santo Alexandre, no entanto muitos desses objetos estavam perdidos, outros são provenientes de outras igrejas do estado do Pará, ou são advindos da grande coleção do médico paraense Abelardo Santos.

Interior da Igreja. Fonte: Ramiro Quaresma.

O Museu de Arte Sacra é parte integrante do Sistema Integrado de Museus e Memórias da SECULT/PA, e compartilha a equipe técnica (montagem, educativo, conservação e salvaguarda) com todos os museus do SIM. Ele possui a melhor galeria da cidade para exposições, a Galeria Findanza, é talvez um dos poucos museus sustentáveis aqui de Belém, pois além do grande fluxo de visitação, também aluga a igreja para casamentos e outros eventos. Existe um charmoso e confortável café em seu piso térreo, climatizado e com ótimos petiscos. Possui também um pequeno auditório para cerca de 40 lugares. (Folder do Museu). 

Segundo a Prefeitura de Belém, o projeto museológico partiu do estudo de três temas principais: o mapeamento histórico das Ordens religiosas presentes no Pará, enfocando algumas igrejas construídas em Belém; A Igreja de Santo Alexandre, sua articulação com o complexo do museu e com o contexto histórico e religioso; e a iconografia dos santos. O projeto foi desenvolvido por especialistas em diversas áreas, sempre atentos aos procedimentos de conservação preventiva adequada à realidade local. Devido ao clima quente e úmido, por exemplo, muitas peças se encontravam danificadas quando começou o processo de restauração da igreja e das obras que nela se encontravam, devido a ação de cupins. Os dois púlpitos localizados nas pareces laterais da nave da igreja expressam o ocorrido, em um deles pode-se observar perfeitamente as expressões faciais dos anjos e os detalhes florais esculpidos na peça, enquanto no púlpito da parede oposta tais detalhes já não são perceptíveis.
Uma das paredes da nave lateral da igreja possui os tijolos inteiramente a mostra, pois todo seu reboco caiu antes da restauração. Em uma das aberturas dessa parede, localizada na parte superior, foi colocada a imagem de um santo, cuja origem não foi identificada. Cria-se nesse espaço um magnífico efeito de luz e sombra, que da a igreja um cenário de cenas teatrais.
Durante o período em que estava abandonada, ocorreu o desabamento do telhado da igreja, optou-se, assim como em outras áreas da igreja, a restaurar apenas aquilo que ainda restava, e diferenciar ao máximo aquilo que foi acrescentado posteriormente. Sendo assim, a nova cobertura construída não imita as antigas pinturas, que ainda se encontram no forro da sacristia, mas foi construída em seu lugar uma cobertura lisa, perceptivelmente até para leigos de época diferente da parte original da igreja. O mesmo conceito se aplica as novas poltronas almofadadas que substituem os antigos bancos de madeira.
Tomou-se como partido para o processo de restauração da igreja a ideia de que tudo deveria ser mantido da maneira mais original possível, diversos acréscimos feitos ao edifício posteriores ao século XVIII foram retirados, optou-se por restaurar as obras e o edifício a partir da maneira como ele estava, evidenciando a diferença entre as partes originais e as que inevitavelmente deveriam ser acrescentadas. 
Nesse ponto abre-se espaço para discursão sobre qual partido se tomar quanto à forma de restauração de edifícios históricos. Há duas linhas de pensamentos que geralmente são seguidas, a primeira, que foi a aplicada na Igreja Santo Alexandre, diz que se deve reformar a partir do que ainda resta, o que for acrescentado posteriormente deve ser enfaticamente diferenciado, como principal argumento para esse conceito está a recusa a imitação. Já a segunda linha de pensamento, permite que não apenas se restaure oque permaneceu, mas que também se reconstrua oque foi destruído, pois o objetivo principal da aplicação deste conceito é que as sensações produzidas por esse edifício devem ser as mesmas transmitidas atualmente.
Para destacar as obras expostas no museu a iluminação ganhou destaque no projeto museógrafo ao primar pelo controle de incidência de luz sobre o acervo exposto. Luzes individuais foram aplicadas de forma focal e suave sobre as obras, de maneira que se confundem com a pouca luz natural que entra pelas aberturas do edifício.

Iluminação sobre as imagens em exposição. Fonte: Ramiro Quaresma.

Dentre as obras em talha, é interessante observar as diferenças entre as obras produzidas pelos indígenas e as obras trazidas do velho mundo. Observa-se que as imagens trazem características do povo e da cultura em que o artista está inserido. Enquanto nas obras europeias observam-se corpos mais esbeltos, com a musculatura destacada, extremidades arredondadas e curvas mais suaves, nas esculturas produzidas pelos indígenas são observadas características pertencentes a esse próprio povo, principalmente nos traços faciais, o tronco em maior proporção em relação ao resto do corpo, além de talhas menos suaves. O mesmo se percebe em outras obras do acervo, como na santa peruana, de cabelos negros e pele morena, ou na santa indiana, vestida com sari.
Essas obras não podem ser consideradas apenas ornamentos ou elementos de decoração, são registros de um período histórico do país e ajudam a formar a identidade e cultura do povo. Pode-se através das relíquias ocas se contarem a história do período de extração do ouro, do monopólio da coroa portuguesa, do contrabando de metais preciosos, do uso da mão-de-obra indígena, do trabalho dos padres jesuítas e do papel da Igreja Católica no período colonial. Aprende-se através dessas obras que não só os documentos escritos registram a história de um povo, mas a arquitetura e a arte produzida por ele ajudam a formar sua cultura e dar cores a sua identidade.
É importante ressaltar também o impacto urbano que o Museu representa. A restauração da Igreja e do Colégio de Santo Alexandre faz parte do projeto de revitalização do centro histórico de Belém.
No roteiro da viagem houve grande ênfase no projeto de requalificação urbana realizado em Belém. Pode-se observar a utilização da orla pela Universidade Federal do Pará (UFPA), a reutilização de parte do espaço portuário, que se encontrava abandonado e onde hoje se encontra a Estação das Docas, um conhecido ponto de encontro na cidade, com bares, restaurantes, espaço de exposições, onde também ocorrem apresentações de música e dança.
As proximidades da Igreja Santo Alexandre já foi uma área degradada, mas atualmente se estabelece como forte zona de atrativo turístico e promoção cultural. Dentre os atrativos da localidade pode-se citar: o Mercado Ver-o-Peso, ponto de forte expressão da cultura regional, com barracas de produtos do artesanato local, iguarias e comidas típicas; o Forte do Presépio; A Casa das Onze Janelas, que abriga um espaço museológico, o Boteco das Onze (um dos mais qualificados restaurantes da cidade); e a Catedral Metropolitana de Belém, parte da tradicional celebração do Círio de Nazaré, restaurada ainda em 2005; entre outros atrativos.
Não só a restauração da Igreja e do Colégio de Santo Alexandre, mas os projetos de revitalização que evolvem todo o centro histórico de Belém chamaram a atenção para este trabalho, por serem exemplos da importância da manutenção da história de um lugar, é uma maneira de proporcionar cultura, sentimento de apropriação do espaço e despertar na população o orgulho do lugar em que vivem e de sua identidade. Isso ocorre principalmente através da manutenção de espaços públicos de qualidade e da requalificação de edifícios que fazem parte da história de um lugar, não apenas reformando-os, mas também os reavivando, em geral, através da promoção de atividades, de novos usos e funções. Deve-se enfatizar que tais conhecimentos são apreendidos de maneira mais eficaz pelo estudante de arquitetura quando este tem oportunidade de conhecer tais lugares, de vivenciar espaços que foram revitalizados, e presenciar a vida que existe em tais lugares e os pontos de sucesso de seus projetos.

*Estudante do Curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Tocantins. E-mail: loiseca@hotmail.com

Referências Bibliográficas:
FOLDER DO MUSEU DE ARTE SACRA – Entregue durante a viagem
  

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