Revitalização da Igreja de Santo Alexandre (Museu de Arte Sacra do Pará)
Loíse Corrêa Alencar*
A
Igreja de Santo Alexandre foi sede do Colégio e da Companhia de Jesus na época
do Brasil colônia. Começou a ser construída por volta de 1698 e foi concluída em
1719. O colégio foi dedicado a Santo Alexandre de Bergamo por abrigar relíquias
do santo doadas pelo Papa Urbano VIII, mas anteriormente foi dedicada a São
Francisco Xavier. Em 1759, os jesuítas foram expulsos e o colégio foi reformado
e passou a ser usado como palácio dos bispos da cidade, foi o local de
hospedagem do Papa João Paulo II, quando este visitou Belém em 1980.
A
igreja foi construída com mão-de-obra indígena empregada pelos jesuítas. Os
próprios púlpitos e obras que ornamentam a igreja são atribuídos ao padre
austríaco João Xavier Traer, que dirigiu a oficina de escultura do colégio
durante as primeiras décadas do século XIII e ensinou a técnica aos indígenas.
Segundo
Ramiro Quaresma, a igreja possui estilo arquitetônico geral correspondente ao
maneirismo, favorecido pelos padres jesuítas portugueses, e é um dos templos
mais importantes erguido pelos padres da Companhia do Brasil. Pode-se perceber,
inclusive, a semelhança com a Igreja Jesuíta de Salvador, atual Catedral
Basílica Primacial de São Salvador, construída entre 1652 e 1672. As duas são
importantes monumentos barrocos dos centros históricos de Belém e Salvador,
respectivamente. No entanto, a igreja de Belém foi construída com menor rigor
técnico, provavelmente devido à mão-de-obra de caráter indígena empregada pelos
jesuítas.
Além
do edifício principal, correspondente à igreja, no decorrer do século XVIII, o
edifício do Colégio foi construído anexado a primeira. Quanto às
características arquitetônicas, a igreja possui uma monumental fachada com
quatro andares de altura. O frontão da parte superior da fachada é formado por
duas grandes volutas, que formam um topo no seu encontro, onde há uma cruz e é
ladeado por duas torres. O frontão também possui alguns nichos, onde antes eram
abrigadas estátuas de santos jesuítas que hoje estão perdidas.
As
três portas de acesso ao primeiro piso do templo também são ornamentadas com
volutas, enquanto os pilares são decorados com motivos maneiristas em
alto-relevo, o que cria interessantes efeitos de luz e sombra.
Fachada da Igreja e Colégio Santo
Alexandre, a igreja é frequentemente alugada para casamentos e outros eventos.
Fonte: Mariana e Fabrício.
O interior da igreja é composto
por nave única em forma de cruz latina, com quatro capelas de cada lado, além
de uma sacristia, que se encontra ao lado da capela-mor. Essa sacristia,
situada na lateral esquerda da nave é ornada com retábulo dourado, trabalhada a
pintura no forro e apresenta grande arcaz do século XVIII. No coro está exposta
a imaginária sacra, e se tem uma ampla visão da nave da Igreja. Próximo às
tribunas as imagens de roca, utilizadas em procissões e fabricadas no século
XIX, ganham destaque juntamente com anjos adoradores. Destacam-se também as
obras em talha esculpidas por João Xavier Traer e os indígenas da sua oficina
de arte. Dentre essas obras, destacam-se dois magníficos púlpitos, no estilo
“Dom João V”, decorados com anjinhos inspirados na arte barroca austríaca, de
onde se originou Traer. Destacam-se também os retábulos nas capelas laterais e
capela mor. (Revista Salão Xumucuís de Arte Digital, 2010).
Hoje
a Igreja está integrada ao Museu de Arte Sacra (MAS), fez parte de um projeto
de revitalização do centro histórico de Belém, tanto a igreja quanto o colégio
foram tombados pelo IPHAN, em 1941.
O
edifício correspondente ao colégio possui loja, galeria de arte, biblioteca,
além de áreas destinadas ao restauro de obras. O edifício da igreja é destinado
a missas esporádicas, apresentação de concertos de música, teatro, casamentos,
entre outros eventos, informações sobre a programação do museu e os horários de
visitação também podem ser encontradas no site da Prefeitura de Belém.
O
Museu foi inaugurado em 28 de setembro de 1998, possui mais de 400 peças em seu
acervo, composto por peças sacras de pintura, talha, gesso e prataria. As
coleções primeiramente foram compostas por peças provenientes da própria Igreja
de Santo Alexandre, no entanto muitos desses objetos estavam perdidos, outros
são provenientes de outras igrejas do estado do Pará, ou são advindos da grande
coleção do médico paraense Abelardo Santos.
Interior da Igreja. Fonte: Ramiro
Quaresma.
O Museu de Arte Sacra é parte
integrante do Sistema Integrado de Museus e Memórias da SECULT/PA, e
compartilha a equipe técnica (montagem, educativo, conservação e salvaguarda)
com todos os museus do SIM. Ele possui a melhor galeria da cidade para exposições,
a Galeria Findanza, é talvez um dos poucos museus sustentáveis aqui de Belém,
pois além do grande fluxo de visitação, também aluga a igreja para casamentos e
outros eventos. Existe um charmoso e confortável café em seu piso térreo,
climatizado e com ótimos petiscos. Possui também um pequeno auditório para
cerca de 40 lugares. (Folder do Museu).
Segundo
a Prefeitura de Belém, o projeto museológico partiu do estudo de três temas
principais: o mapeamento histórico das Ordens religiosas presentes no Pará,
enfocando algumas igrejas construídas em Belém; A Igreja de Santo Alexandre,
sua articulação com o complexo do museu e com o contexto histórico e religioso;
e a iconografia dos santos. O projeto foi desenvolvido por especialistas em
diversas áreas, sempre atentos aos procedimentos de conservação preventiva
adequada à realidade local. Devido ao clima quente e úmido, por exemplo, muitas
peças se encontravam danificadas quando começou o processo de restauração da
igreja e das obras que nela se encontravam, devido a ação de cupins. Os dois
púlpitos localizados nas pareces laterais da nave da igreja expressam o
ocorrido, em um deles pode-se observar perfeitamente as expressões faciais dos
anjos e os detalhes florais esculpidos na peça, enquanto no púlpito da parede
oposta tais detalhes já não são perceptíveis.
Uma
das paredes da nave lateral da igreja possui os tijolos inteiramente a mostra,
pois todo seu reboco caiu antes da restauração. Em uma das aberturas dessa
parede, localizada na parte superior, foi colocada a imagem de um santo, cuja
origem não foi identificada. Cria-se nesse espaço um magnífico efeito de luz e
sombra, que da a igreja um cenário de cenas teatrais.
Durante
o período em que estava abandonada, ocorreu o desabamento do telhado da igreja,
optou-se, assim como em outras áreas da igreja, a restaurar apenas aquilo que
ainda restava, e diferenciar ao máximo aquilo que foi acrescentado
posteriormente. Sendo assim, a nova cobertura construída não imita as antigas
pinturas, que ainda se encontram no forro da sacristia, mas foi construída em
seu lugar uma cobertura lisa, perceptivelmente até para leigos de época
diferente da parte original da igreja. O mesmo conceito se aplica as novas
poltronas almofadadas que substituem os antigos bancos de madeira.
Tomou-se
como partido para o processo de restauração da igreja a ideia de que tudo
deveria ser mantido da maneira mais original possível, diversos acréscimos
feitos ao edifício posteriores ao século XVIII foram retirados, optou-se por
restaurar as obras e o edifício a partir da maneira como ele estava,
evidenciando a diferença entre as partes originais e as que inevitavelmente deveriam
ser acrescentadas.
Nesse
ponto abre-se espaço para discursão sobre qual partido se tomar quanto à forma
de restauração de edifícios históricos. Há duas linhas de pensamentos que
geralmente são seguidas, a primeira, que foi a aplicada na Igreja Santo Alexandre,
diz que se deve reformar a partir do que ainda resta, o que for acrescentado
posteriormente deve ser enfaticamente diferenciado, como principal argumento
para esse conceito está a recusa a imitação. Já a segunda linha de pensamento,
permite que não apenas se restaure oque permaneceu, mas que também se
reconstrua oque foi destruído, pois o objetivo principal da aplicação deste
conceito é que as sensações produzidas por esse edifício devem ser as mesmas
transmitidas atualmente.
Para
destacar as obras expostas no museu a iluminação ganhou destaque no projeto
museógrafo ao primar pelo controle de incidência de luz sobre o acervo exposto.
Luzes individuais foram aplicadas de forma focal e suave sobre as obras, de
maneira que se confundem com a pouca luz natural que entra pelas aberturas do
edifício.
Iluminação sobre as imagens em
exposição. Fonte: Ramiro Quaresma.
Dentre
as obras em talha, é interessante observar as diferenças entre as obras
produzidas pelos indígenas e as obras trazidas do velho mundo. Observa-se que
as imagens trazem características do povo e da cultura em que o artista está
inserido. Enquanto nas obras europeias observam-se corpos mais esbeltos, com a
musculatura destacada, extremidades arredondadas e curvas mais suaves, nas esculturas
produzidas pelos indígenas são observadas características pertencentes a esse
próprio povo, principalmente nos traços faciais, o tronco em maior proporção em
relação ao resto do corpo, além de talhas menos suaves. O mesmo se percebe em
outras obras do acervo, como na santa peruana, de cabelos negros e pele morena,
ou na santa indiana, vestida com sari.
Essas
obras não podem ser consideradas apenas ornamentos ou elementos de decoração,
são registros de um período histórico do país e ajudam a formar a identidade e
cultura do povo. Pode-se através das relíquias ocas se contarem a história do
período de extração do ouro, do monopólio da coroa portuguesa, do contrabando
de metais preciosos, do uso da mão-de-obra indígena, do trabalho dos padres
jesuítas e do papel da Igreja Católica no período colonial. Aprende-se através
dessas obras que não só os documentos escritos registram a história de um povo,
mas a arquitetura e a arte produzida por ele ajudam a formar sua cultura e dar
cores a sua identidade.
É
importante ressaltar também o impacto urbano que o Museu representa. A
restauração da Igreja e do Colégio de Santo Alexandre faz parte do projeto de
revitalização do centro histórico de Belém.
No
roteiro da viagem houve grande ênfase no projeto de requalificação urbana
realizado em Belém. Pode-se observar a utilização da orla pela Universidade
Federal do Pará (UFPA), a reutilização de parte do espaço portuário, que se
encontrava abandonado e onde hoje se encontra a Estação das Docas, um conhecido
ponto de encontro na cidade, com bares, restaurantes, espaço de exposições,
onde também ocorrem apresentações de música e dança.
As
proximidades da Igreja Santo Alexandre já foi uma área degradada, mas
atualmente se estabelece como forte zona de atrativo turístico e promoção
cultural. Dentre os atrativos da localidade pode-se citar: o Mercado
Ver-o-Peso, ponto de forte expressão da cultura regional, com barracas de
produtos do artesanato local, iguarias e comidas típicas; o Forte do Presépio;
A Casa das Onze Janelas, que abriga um espaço museológico, o Boteco das Onze
(um dos mais qualificados restaurantes da cidade); e a Catedral Metropolitana
de Belém, parte da tradicional celebração do Círio de Nazaré, restaurada ainda
em 2005; entre outros atrativos.
Não
só a restauração da Igreja e do Colégio de Santo Alexandre, mas os projetos de
revitalização que evolvem todo o centro histórico de Belém chamaram a atenção
para este trabalho, por serem exemplos da importância da manutenção da história
de um lugar, é uma maneira de proporcionar cultura, sentimento de apropriação
do espaço e despertar na população o orgulho do lugar em que vivem e de sua
identidade. Isso ocorre principalmente através da manutenção de espaços
públicos de qualidade e da requalificação de edifícios que fazem parte da
história de um lugar, não apenas reformando-os, mas também os reavivando, em
geral, através da promoção de atividades, de novos usos e funções. Deve-se
enfatizar que tais conhecimentos são apreendidos de maneira mais eficaz pelo
estudante de arquitetura quando este tem oportunidade de conhecer tais lugares,
de vivenciar espaços que foram revitalizados, e presenciar a vida que existe em
tais lugares e os pontos de sucesso de seus projetos.
*Estudante do Curso de
Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Tocantins. E-mail: loiseca@hotmail.com
Referências
Bibliográficas:
PORTAL DA CULTURA PARAENSE, SECULT, Secretaria de
Estado de Cultura - http://www.secult.pa.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=46:museu-de-arte-sacra&catid=34:museus&Itemid=28
FOLDER DO MUSEU DE ARTE
SACRA – Entregue durante a viagem
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