Débora
Vieira Barbosa
A
cidade de Belém é capaz de proporcionar aos seus visitantes uma pluralidade de sensações.
Museus, igrejas, praças, casas, vegetação e, principalmente, seus habitantes a
torna atraente e peculiar. Os alunos do
curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Tocantins puderam
conhecer e explorar, durante a visita técnica, os diversos elementos que
fazem parte da história de Belém.
Um
dos locais de grande referência no cenário cultural, histórico e comercial da
cidade de Belém é o Espaço São José Liberto, onde é possível ter contato com as
riquezas minerais e culturais do estado. O presente artigo visa expor as
características, importância e história do local.
Missões religiosas no Pará e o Convento
São José
As
missões religiosas chegaram ao Brasil, tendo como um dos objetivos ocupar
regiões interioranas e afirmar o domínio português. Elas foram responsáveis
pelo ensino da doutrina cristã a várias tribos indígenas e a consequente
implantação de conventos.
Segundo
Amorim (2011), os frades, pertencentes à ordem franciscana, vindos da província
de Nossa Senhora da Piedade chegaram à Belém no final do século XVII com o
objetivo de auxiliar na catequização, entretanto com intenções de desenvolver o
próprio mecanismo de evangelização. Isso incluía a construção de um hospício,
na ermida dedicada a São José, que seria posteriormente um convento, gerando conflitos
com os frades de Santo Antônio – já estabelecidos na região amazônica realizando
a catequização – que tentaram impedir que isso ocorresse.
Porém, de acordo com a mesma autora,
em 1749 foi construído na cidade de Belém o Convento de São José no terreno
herdado pelo 13º Capitão-Mor do Pará, Hilário de Souza Azevedo. Com a expulsão
dos frades do país, no século XIX, o edifício ainda não concluído, foi ocupado
pelo governo e transformado em depósito de pólvora, quartel, olaria, hospital
e, em 1843, cadeia pública.
A transformação da cadeia em presídio e
as modificações estruturais na edificação
Maroja
(2002), explica que devido os vários usos a que se submeteu o edifício, sua
estrutura foi parcialmente alterada. No período em que estava sendo utilizado
como cadeia, em uma das ampliações, foi instalada uma escola e uma oficina,
objetivando a qualificação dos presos para realizar serviços públicos. Porém, ainda existiam vários problemas
relacionados à condição estrutural do prédio. Os presos eram submetidos a
situações precárias. O espaço da cela era pequeno, com pouca iluminação e com
infiltrações constantes. Então, foi feita uma pequena reforma,
bastante superficial. Mas, em 1926, as dependências receberam uma reforma geral
providenciada pelo Conselho Penitenciário.
Em 1943, o local foi transformado em presídio, sob o governo de Magalhães
Barata, resultando em algumas alterações, como criação de oficinas e reformas
de celas.
Como
afirma Maroja, o Presídio de São José possuía os seguintes espaços internos. O pátio
1 era utilizado para banho de sol dos presos enquanto no pátio 2 ficavam as
quadras esportivas. O “Cinzeiro” era uma sala de isolamento e o Morro eram as
celas do pavimento superior. Também possuía a cela de triagem (local temporário
onde ficavam os presos que chegavam), a ala de segurança (acesso ao exterior do
edifício), corpo de guarda (local onde ficavam os policiais que faziam a
segurança do presídio), a cantina, as guaritas, a enfermaria, cozinha,
refeitório, oficinas, administração, e biblioteca.
Anastácio
das Neves (2010), ex-diretor do presídio São José, atesta que foi designado
para tal função, pois o presídio atravessava uma época ruim. Então, em 1960,
criou uma espécie de polícia interna formada pelos próprios presos com o
objetivo de corrigir os excessos e disciplinar os criminosos, para ele foi uma
medida eficiente. Entretanto, João Capiberibe (2010) ex-detento do São José,
relata que os maus tratos por parte da polícia interna começavam desde a
chegada ao presídio.
O
sofrimento dos presos, hoje pode ser demostrado através da antiga sala cinzeiro
– local de isolamento dos presos – onde estão expostos objetos de tortura
utilizados pelos detentos, como é retratado da foto 01.
Foto 01 – Objetos de tortura
utilizados pelos presos.
Fonte:
Fernanda Alencar (2013)
Rebelião no presídio
O presídio São José foi palco, em 28
de fevereiro de 1998, de uma terrível rebelião.
Maroja explica: “Durante a rebelião, foram tomados como reféns, três agentes
prisionais, um agente administrativo e o casal da Pastoral Carcerária (PC),
totalizando 06 pessoas. (...) Com efeito, o líder do movimento José Augusto
Viana David, mais conhecido como Ninja, solicitou uma série de reivindicações
exigindo, carros e munições para a fuga dos presos. No entanto, as exigências
não foram atendidas, o sistema de luz e água foi cortado, na tentativa de que
os presos se rendessem.” (2002, p. 27)
Entretanto, a rebelião foi
enfraquecida depois que o líder foi morto a tiros por outro preso e jogado do
telhado envolto em lençóis, de acordo com a foto 02.
Foto 02 – Noticiário sobre o
fim da rebelião exposto no Memorial da Cela Cinzeiro, mostrando “Ninja” morto.
Fonte:
Fernanda Alencar (2013)
Além
dele, outras três pessoas morreram durante a revolta, todos detentos. Três
pessoas ficaram feridas. Na tarde de domingo os revoltosos se renderam,
totalizando 28 horas de tensão. Cerca de dois anos depois os presos foram
transferidos para um presídio em Marituba, região metropolitana de Belém.
Revitalização e criação do Espaço São
José Liberto
De acordo com Maroja, em
março de 2001 foram iniciadas as obras de revitalização do antigo presídio, sob
coordenação da Secretaria Executiva de Cultura (Secult). O edifício estava em
péssimo estado, por isso, pavimentos foram reconstruídos. A restauração
possibilitou encontrar diversos instrumentos que faziam parte do antigo
presídio, inclusive utilizados como objetos de tortura pelos presos, como,
palmatória, bola de correntes de aço, dentre outros. O prédio foi inaugurado em
11 de outubro de 2002 como Espaço São José Liberto. Toda a estrutura abriga o
Museu de Gemas do Pará, o Polo Joalheiro e a Casa do Artesão, como podemos ver
na foto 03.
Foto 03 – Espaço São José
Liberto.
Fonte: Arquivo pessoal (2013)
No
Museu estão presentes descobertas arqueológicas de objetos utilizados pelos
indígenas, como, amuletos, cerâmicas, ponta de flechas e muiraquitãs. Além
disso, têm uma exposição permanente das gemas de minérios encontrados no
território paraense, possui em torno de 4000 peças, quartzos, diamantes,
pegmatitos, turmalinas, dentre muitos outros. Em uma sala também são expostas
uma coleção de joias.
Ainda
segundo a mesma autora, parte das amostras de minérios presentes no Museu foi
doada dela mineradora Vale, e extraídos da Serra dos Carajás no estado do Pará.
Foi feita uma cerimônia de entrega dessas amostras com a presença do diretor de
operações de cobre, gerente de comunicações, gerente de relações institucionais,
todos da até então Companhia Vale do Rio Doce. Também estava presente o
secretário de Cultura Paulo Chaves Fernandes. Foi entregue 500 gramas de ouro
maciço.
Outro elemento do Museu é o Jardim
da Liberdade, projetado pela paisagista Rosa Kliass, que chama atenção pela
presença de quartzos, como demonstra a foto 04.
Foto 04 – Jardim da
Liberdade.
Fonte:
Arquivo pessoal (2013)
Zein
e Klaiss afirmam: “O tratamento
paisagístico concentrou-se no pátio histórico; buscou enfatizar o novo caráter
atribuído ao edifício – a celebração das pedras semipreciosas da Amazônia –
utilizando-se grandes blocos de quartzo branco e rosa, e organizando-se
canteiros onde se justapõem pedras e vegetação, com a presença de repuxos de
água, complementados por grandes vasos de vidro preenchidos por seixos rolados
de quartzo de várias cores, e com a presença de preciosas palmeiras-laca.”
(2006, p.168)
A
antiga capela do Convento, utilizada como refeitório dos presos, foi restaurada,
porém, as paredes foram mantidas no estado original com pedra aparente.
Atualmente é utilizada em celebrações religiosas, saraus literários e
apresentações musicais.
Uma atividade característica
desenvolvida no Espaço São José é a fabricação e comercialização de joias – por
isso também é chamado de polo joalheiro. Onde profissionais locais trabalham na
lapidação, confecção e conserto de peças. Várias lojas estão instaladas no
local.
Na Casa do Artesão é feita a venda
de artesanatos: objetos de cerâmica, madeira, palha. Tem também o Coliseu das
Artes, onde são realizados espetáculos de música, dança, folclore, entre
outros.
O
Espaço São José Liberto é administrado pelo Instituto de Gemas e Joias da
Amazônia (Igama) e Organização Social (OS). Todo esse complexo, além de ser uma
ótima opção cultural em Belém, produz renda para os diversos profissionais que
trabalham no local e presta serviços à população.
Referências
AMORIM, M. A. A Missionação Franciscana no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1622-1750),
Agentes, estruturas e dinâmica. 2011. 802 f. Tese (Doutorado em História) –
Departamento de História, Universidade de Lisboa, Lisboa. 2011. Disponível em:
< http://repositorio.ul.pt/handle/10451/5393>
Acesso em: Jan 2014.
MAROJA, A. M. O Espaço São José (Belém-PA), Liberto dos grilhões da lei e preso às
imagens do tempo. 2002. 54 f. Monografia (Graduação em Educação Artística)
– Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, Universidade da Amazônia, Belém.
2002. Disponível em: <http://www.nead.unama.br/bibliotecavirtual/monografias/espaco_sao_jose.pdf>
Acesso em: Jan 2014
ZEIN, R. V. Rosa Kliass, Desenhando Paisagens, Moldando
uma Profissão. São Paulo: Editora Senac, 2006.
NEVES, A. São José Liberto:
depoimento. [10 de agosto, 2010]. Belém: TV
RBA. Entrevista concedida a Talita Iketani. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=tkeAcKFeIrk>
Acesso em: Jan 2014
CAPIBERIBE, J. São José
Liberto: depoimento. [11 de agosto, 2010]. Belém: TV RBA. Entrevista concedida a Talita Iketani. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=GGgmUCGa26M
Acesso em: Jan 2014.
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