O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Mangal das Garças - requalificação e recuperação de uma área degradada (Belém-PA)


Kléria Patricia Soares Barros


O tema da água permanece bastante em voga na cidade desde finais dos anos 80, na
medida em que se discute e se concorda cada vez mais com um projeto relativamente vago
de “devolução” do acesso à sua orla fluvial. “Desobstruir”, então, passou a ser uma concepção
praticamente consensual, numa articulação entre “requalificação” e “revitalização”
do território e “resgate” do contato com a natureza. (Juliano Ponte)


            Em torno de Belém (PA), norte do Brasil, podemos falar na existência de uma política sobre a apropriação e as formas de uso do território próximo à água. Atualmente, intervenções territoriais e políticas públicas lidam, em frentes diversas, com esse contexto através de projetos urbanísticos, ambientais, da modernização portuária e da promoção de discursos da sustentabilidade e da melhoria do ambiente urbano em geral. Tais ações parecem apontar para uma reconfiguração de espaços, em direção a uma incorporação do patrimônio cultural à dimensão ambiental; a uma pretensa retomada da natureza na cidade; à mudança do caráter da zona portuária; e à conversão da ideia de Natureza” em paisagem de consumo visual, em projetos de autodeclaradas “sustentabilidades” no território próximo à água.
Uma análise feita a partir de notas referentes ao Mangal das Garças na mídia3, desde quando se começou a cogitar a ideia de implantação desse complexo turístico, no ano de 2001 até o ano de 2007, pode ser considerado um levantamento importante para a construção dessa pesquisa, pois iremos compreender, a partir dos interesses de estruturação daquele espaço os valores intrínsecos presentes na elaboração do referido projeto. É importante explicitar, que a partir da pesquisa do material relacionado ao Mangal das Garças, tivemos contato com várias informações a respeito daquele ambiente, possibilitando a pesquisa elementos importantes para sua construção. Logo, faremos referencia a essas notas veiculadas na mídia, para posteriormente compreendermos a lógica de construção daquele espaço voltado para atender
os interesses de lazer da classe dominante em detrimento da classe trabalhadora.

Mangal das Garças:
            O Mangal das Garças é um espaço que pretende reconstituir a fauna e a flora de parte dos ecossistemas amazônicos, à beira do rio Guamá. Possui uma série de espaços e viveiros onde borboletas, pássaros, orquídeas e demais espécimes da região são expostos ao visitante (Pará, 2005a):

Considerando-se as condições paisagísticas da área, a intenção foi a criação de um Parque Naturalístico, cujo tema é a representação das diferentes macro regiões [sic] florísticas do Estado do Pará, isto é, as Matas de Terra Firme, as Matas de Várzea e os Campos. Entre lagos, vegetação típica, equipamentos de cultura e lazer, juntamente com a inusitada paisagem do aningal¹ existente, o Mangal das Garças representa uma síntese do ambiente amazônico, bem no coração da cidade. Uma obra emblemática onde a natureza é preservada e o homem aprende a conviver, sem destruir, com a sua circunstância ambiental. O projeto harmoniza os acessos com as vias existentes e terrenos do entorno, aproveitando-se a presença da água para a implementação de um grande lago como o seu ponto principal, além do rio, circundado, equilibradamente, por caminhos e passeios pavimentados, que interligam o estacionamento, áreas de estar e os equipamentos de lazer e serviços. O destaque às peculiaridades da paisagem amazônia levará o visitante à descoberta de perspectivas exóticas, que integram ambientes das matas de várzea do estuário, de terra firme e campos com o aningal. (Pará, 2005a.)


O Mangal das Garças foi inaugurado em 12 de Janeiro de 2005, é uma área que compreende 34,7 mil metros quadrados contígua ao arsenal da marinha. O espaço foi projetado pelo secretário da cultura Paulo Chaves e sua equipe, é um complexo cultural e turístico, representando uma síntese do ambiente amazônico dentro da metrópole, as margens do Rio Guamá. (Guia turístico do Pará, 2005).

_______________________________________________________________
¹. A aninga é uma vegetação típica de áreas alagáveis da região, em geral lodosas. A espécie vegetal chega a atingir metros de altura, às margens dos cursos d’água.

O espaço é considerado, segundo o secretário de cultura que o projetou, um espaço de resgate do ambiente natural, pois segundo o mesmo, houve uma preocupação em deixar presente no espaço uma representatividade da mata de várzea e alguns exemplares da forma regional.    
Na dimensão patrimonial da ideia de melhoria da “qualidade de vida” na cidade há inclusive uma declarada intenção de remeter ao passado da cidade de Belém, com a construção de um mirante sobre estrutura metálica, onde está instalado o “Farol de Belém...que encontra-se inscrito nas cartas náuticas brasileiras” (Pará, 2005a). Na cidade havia uma série de caixas d’água metálicas, remanescentes das concessionárias privadas de abastecimento de água, de capital inglês (Ximenes, 2003). O passadismo pós-moderno, da reciclagem dos signos da cidade remodelados para o presente (Harvey, 2000), está, portanto contemplado; a alegação da História confere, provavelmente, mais “dignidade” ao projeto.
O processo de educação ambiental do cidadão, o reconhecimento da própria natureza do entorno e a capacidade de consumir visualmente a imagem amazônica estão vinculados, ao que parece, à experiência da visitação informada ao parque. Obviamente, trata-se de uma intervenção urbanística e,
como tal, a artificialidade não poderia deixar de ser praticamente total no espaço. No entanto, longe de qualquer purismo ou forma simplória de consideração do par cultura/natureza, cabe observar como a produção do lugar e a produção da natureza ordenada, logram papel de destaque no urbanismo contemporâneo e na requalificação dos espaços urbanos. Torna-se evidente que a questão metodológica é antes outra: a da desnaturalização da paisagem, historicizada e culturalizada em sua dimensão pretensamente “natural”.
Uma das contradições mais interessantes a respeito desse coletivo, múltiplo e intrigante senso comum – o de “revitalizar” as margens fluviais da cidade e restabelecer o contato com a natureza – é a série de impactos que ele tem provocado. Em termos urbanísticos, é visível a tendência do mercado imobiliário em captar o potencial de localização das margens fluviais (Ximenes, 2004). Também é representativa a tendência histórica ao enobrecimento (que a literatura também trata como gentrification) dos espaços do centro histórico (Ximenes, 2004), cuja qualidade patrimonial o coloca, portanto, como mais um espaço “da qualidade de vida”, nos termos da sustentabilidade urbana. A óbvia instauração de um padrão progressivamente desigual de localização e de apropriação dos recursos nos remete a uma ideia de segregação, de estabelecimento de novas fronteiras no espaço urbano, valorizado cultural e economicamente em certas áreas. As ações e a justificativa do novo padrão de intervenção (desobstruir, requalificar, retomar o contato com a natureza etc.) teriam seu argumento na ideia de um ciclo: aumento de receita pública, aumento de investimentos sociais, melhoria da “qualidade de vida”. Em síntese, a tendência e a semelhança com outros casos nos remetem mais à ideia de “sustentabilidade do dinheiro do que do meio ambiente” (Sachs, 1997, p.18). A ideia de “desenvolvimento”, nos marcos da economia de mercado (Sachs, 1997), permanece dessa feita, acentuada a partir do convencimento coletivo de que um novo padrão de “requalificação” e “sustentabilidade” dos espaços deve ser instalado.


Figura (1): Viveiro de Flamingos
Foto: google imagens

Fora as críticas relativas ao projeto, o visitante tem a chance de fazer o olhar sobrevoar pontos especiais como o grande lago central, os caminhos sinuosos, os canteiros coloridos, as áreas de estar e os equipamentos de lazer e serviços. Os lagos artificiais do complexo receberam aves pernaltas, marrecos e quelônios criteriosamente selecionados. Recantos com caramanchões em madeira criam oásis de sombra perfeitos para o descanso. O local possui: O Museu Amazônico da Navegação, Manjar das Garças, um dos melhores restaurantes da capital. Viveiro das Aningas ou Viveiro dos Pássaros, onde o visitante tem contato direto com uma impressionante quantidade de pássaros. O Farol de Belém, com 47 metros de altura, a monumental torre-mirante do Mangal das Garças oferece dois níveis de observação. O Borboletário, numa área de 1.400 m², o ambiente é o primeiro do gênero da região Norte e já é apontado como o maior de todo o Brasil. Orquidiário. O Criatório e Viveiro de Plantas. Armazém do Tempo, onde os visitantes podem comprar plantas, artesanato, livros e CDs de artistas paraenses e é possível saborear no local um requintado serviço de café. Além de um belíssimo por do sol.


Figura (2): Borboletário
Foto: google imagens


 Figura (3): Restaurante Manjar das Garças
Foto: google imagens





Considerações Finais:
Apesar de todas as críticas a respeito de um projeto de tão grande porte como este. Conhecer esse lugar trouxe uma experiência que jamais esquecerei, proporcionou ter uma visão mais estendida sobre como desenvolver um projeto paisagístico de qualidade. A proposta da viagem não poderia ter tido êxito maior, pois, a qualidade do conhecimento obtido foi tão grande, que nem sei se outra viagem será capaz de superar.
Uma viagem como esta serve para mostrar, como nosso país é rico, e não damos o devido valor a sua historia. Espero sinceramente que após essa primeira experiência, possamos olhar para o lugar a qual pertencemos com outros olhos, e percebermos, que podemos ter muito a aprender sem ter que ir muito longe.   

Referências Bibliográficas: http://www.mangalpa.com.br/

                                                   (PONTES, Juliano) – Reconfiguração de Margens Fluviais e Belém – PA (tese)

                                                   (SILVA, Elba Maia e AGUIAR, Eliane do S.)Mangal: construído pra quem?(tese) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário