O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Apropriação do Espaço Urbano enquanto praça*

                                                                              Larissa Rodrigues**

Este artigo tem como objetivo falar do uso e da apropriação do espaço público enquanto praça, aspectos como o medo, conforto e o que está bom e o que deve melhorar, e discorrendo a respeito da Praça Batista Campos em Belém, Pará e da Praça dos Girassóis em Palmas, Tocantins.

Praça: conceitos e definições

A modernização do espaço urbano no século XIX contribuiu para modificar as cidades, além de progressos na infraestrutura em geral, encontravam-se intervenções nos espaços públicos, buscando reverter, ou ao menos minimizar, o impacto que o processo de industrialização vinha fazendo sobre as cidades. Essas intervenções qualificavam o ambiente com a inserção da praça ou do parque.
A praça, para Lamas (s/d, p.100) “é um elemento morfológico das cidades ocidentais”, distinguindo-se “de outros espaços, que são resultado acidental de alargamento ou confluência de traçados - pela organização espacial e intencionalidade de desenho. [...] A praça pressupõe a vontade e o desenho de uma forma e de um programa”. Ou seja, a praça é “lugar intencional do encontro, da permanência, dos acontecimentos, de práticas sociais, de manifestações de vida urbana e comunitária e de prestígio, e, consequentemente, de funções estruturantes e arquiteturas significativas” (LAMAS, s/d, p. 102). Lamas indica ainda que a praça na cidade tradicional, como a rua, estabelece “estreita relação do vazio (espaço de permanência) com os edifícios, os seus planos marginais e as fachadas. Estas definem os limites da praça e caracterizam-na, organizando o cenário urbano” (LAMAS, s/d, p. 102). Ainda sobre a definição de praça, uma pesquisa feita pelas autoras Carneiro e Mesquita (2000), estabelece as seguintes definições:
Praças são espaços livres públicos, com função de convívio social, inseridos na malha urbana como elemento organizador da circulação e de amenização pública, com área equivalente à da quadra, geralmente contendo expressiva cobertura vegetal, mobiliário lúdico, canteiros e bancos. 
Diante dessas definições e notando alguns espaços públicos observa-se que eles negam esse ideal, pois não funcionam como local de convívio, encontro e práticas sociais. Isso porque não oferecem mobiliário suficiente, não tem conforto apropriado ou não tem infraestrutura, tornando se assim lugares pouco frequentados dando espaço para que ocorra a violência e medo da permanência nos mesmos. A ocupação permanente dos espaços públicos é a melhor solução para o combate ao vandalismo e a falta de segurança das pessoas nesses espaços, por isso a importância da realização de projetos urbanísticos que atuem sobre esses lugares para que os cidadãos exerçam suas apropriações.

Praça Batista Campos

Um ótimo exemplo de apropriação é a Praça Batista Campos, no século XIX, a área que hoje é localizada a praça pertencia a Maria Manoela de Figueira e Salvaterra, sendo mais conhecido na época como “Largo da Salvaterra”, com a morte da proprietária, as terras passaram para as mãos da Câmara Municipal de Belém, sendo a partir desse momento chamada de “Praça Sergipe” em homenagem à nova província brasileira. Em 1897, durante o governo de Antônio Lemos, a praça passou a homenagear um dos principais personagens da Cabanagem: Cônego Batista Campos, que foi um importante ativista político da história do que atualmente é o estado do Pará, morto em 1834. A praça era um local simples com poucas mangueiras, mas em 14 de fevereiro de 1904, no dia de sua inauguração já era uma das mais belas praças de Belém.
A Praça foi tombada pelo município em 1983 e em 1986, ganhou novos equipamentos e passou por uma restauração buscando características perdidas no início do século XX, durante a primeira reforma. Hoje é intitulada como um dos ambientes mais bonitos da capital paraense e possui quase 3 mil metros quadrados de área construída. E como prova de que a reestruturação dos espaços e aconchego dos mesmos constitui na sua apropriação dos cidadãos é que a Praça Batista Campos conta desde 1997 com a Associação dos Amigos da Praça Batista Campos (AAPBC) que também ajudam a preservá-la, tanto que em 2005, ganhou o "Prêmio 100 Mais Brasil", da Revista Seleções, como a mais bela praça do país. A Praça Batista Campos é um ótimo local para a prática de atividades físicas, convívio, encontros, passeio turístico ou apenas busca de sossego, pois sua arborização, mobiliário e iluminação noturna oferecem um ambiente confortável e seguro para estar, fora a beleza das altas mangueiras e demais árvores nativas. Ao seu redor suas calçadas têm um revestimento de mosaico português com motivos marajoaras, possui coreto, cursos d'água com pontes e pequenos comerciantes.
Em entrevista da tv local de Belém o presidente da Associação, José Olímpio, fala que o dever deles é fiscalizar e cobrar do órgão público a manutenção da praça “Afinal de contas o espaço público pertence a todas as pessoas, então vamos ajudar a cuidar”. Na mesma entrevista alguns usuários de aparente classes sociais diferentes são interrogados e afirmam ser de outros bairros mas se deslocar até lá para desfrutar da praça logo que as dos seus bairros não são tão bem preservadas e relatam até casos de roubo e morte nas mesmas.




Quando a praça não acontece dessa forma, tem falta de atrativos e comodidade, as pessoas buscam os novos espaços públicos atuais, como por exemplo, os shoppings centers. Recentemente uma manifestação peculiar dos jovens da periferia sobreveio, os chamados “rolezinhos”, iniciativa onde a simples presença física deles no shopping é suficiente para provocar sentimentos de pânico e medo dos usuários, que se sentem ameaçados porque acham que essa classe social não deveria ter acesso a esses lugares de ‘maior prestigio social’. Uma situação desagradável, além de muito triste, porque o nosso país não tem espaços públicos adequados, e o shopping, ainda que seja um espaço particular, é um lugar essencialmente público, além do que essa atitude de restringir a entrada das pessoas por conta de sua aparência é uma forma mascarada de preconceito.

Praça dos Girassóis

Como exemplo de espaço público impróprio, que tem potencialidades a serem trabalhadas, está a Praça dos Girassóis, localizada em Palmas, projetada para abrigar o centro das decisões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Tocantins, é a maior praça da América Latina e a segunda maior do mundo, perdendo em tamanho apenas para a Praça Merdeka, na Indonésia. A importância da Praça dos Girassóis vai mais além, afinal, foi nesse grande espaço que teve início a história da construção da capital mais jovem do País. Passear pela Praça é conhecer um pouco mais sobre a história e a cultura da cidade e do Tocantins. Na Praça dos Girassóis há uma dezena de atrativos como: O Memorial Coluna Prestes, o monumento dos 18 do Forte, o monumento da Súplica dos Pioneiros, uma cascata, dois pórticos de entrada tendo ao centro o Palácio Araguaia com sua arquitetura modernista, um cruzeiro feito à base de pau-brasil onde foi celebrada a primeira missa de Palmas, um relógio de sol, a praça Krahô com o Monumento à Bíblia (marco do centro geodésico do Brasil), os símbolos indígenas desenhados no calçamento e a sua gigantesca rosa dos ventos e uma fonte luminosa. A praça está localizada no ponto central da cidade de Palmas, sendo que a partir dela, partem a Avenida Teotônio Segurado e a Avenida JK, que são as principais vias arteriais da cidade. E é também a partir do Palácio Araguaia que se dá a divisão do Plano Diretor de Palmas nas regiões: nordeste, sudeste, sudoeste e noroeste.





Apesar de todas essas qualificações e uso dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a praça não apresenta nenhum movimento durante o dia, é um completo vazio, exceto nas épocas de feira do livro. Por não conter arborização suficiente se torna inviável ser um ponto de encontro ou passeio confortável, ainda mais nas condições climáticas da nossa região. Seu uso fica concentrado então apenas em horários que o clima está mais ameno, como o inicio e o fim do dia. Sendo este uso a prática de atividades físicas, que se restringe apenas ao redor a praça, deixando o seu amplo interior em completo desuso, o que é uma potencialidade a ser explorada, pois há vários atrativos que poderiam ser feitos em sua extensa dimensão. E ainda há a escassez de iluminação em muitos pontos tornando o espaço escuro para consequentes usos indevidos. Em 2012 o governo estadual abriu concorrência através da Secretaria de Estado do Planejamento e Modernização da Gestão Pública para contratar uma empresa para adquirir, instalar e manter unidades de climatizadores em torno da Praça dos Girassóis, uma medida que comparada ao plantio de árvores não compensa. As árvores vão necessitar de tempo para crescer, mas depois além de proporcionar sombra são responsáveis pelo sequestro de carbono do meio ambiente.
Observando as fotos de ambas as praças nota-se as diferenças como presença de mobiliário urbano (bancos, lixos) e a presença de espaços vazios com pouca ou sem nenhuma arborização. Em uma acontecem encontros de ambas as classes sociais e na outra uso de práticas de atividade apenas para os moradores quem moram ao redor. Roberto Segre, autor do texto Espaço público e democracia: experiências recentes nas cidades de América Hispânica, afirma “O lugar público deve ser concebido como um espaço urbano acessível onde se produz o encontro da diversidade. [...] Por isto, a qualidade urbana de uma cidade é avaliada a partir do significado e da riqueza dos lugares públicos que a compõem.” Assim conclui-se que a Praça Batista Campos, apesar de ser uma praça mais antiga que a Praça dos Girassóis e ter uma arquitetura diferente apresenta um grande exemplo a ser seguido quanto espaço urbano de qualidade, proporcionando conforto e segurança para os usuários, um lugar adequado para convivência dos cidadãos, pronto para que eles façam suas respectivas apropriações.


*artigo referente à disciplina de Historia da Arquitetura e Urbanismo do Brasil do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFT
**Aluna do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Email: lyssa_araujo@hotmail.com
Bibliografia
LAMAS, J. M. R.G. Morfologia urbana e desenho da cidade
Artigo Apropriações do espaço público: alguns conceitos de Eneida Maria Souza Mendonça

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