O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Afinal, quem foi Landi?

Christine Heerdt Thomaz[1]


Igreja da Sé (Catedral Metropolitana de Belém), localizada na Praça Frei Caetano Brandão, bairro da Cidade Velha. Projetada pelo arquiteto italiano Antonio Landi em estilo barroco e neoclássico, construída de 1748 a 1771
Fonte: Christine Heerdt Thomaz/2013

                Durante visita realizada à cidade de Belém, em diversos locais frequentados, em muitas explicações e comentários, ouviu-se muito falar sobre Landi, que no vocabulário da maioria dos belenenses já está arraigado, mas que para quem visita pela primeira vez a capital do Pará não compreende quem foi essa pessoa que deixou tantas marcas na História e na Arquitetura da cidade.  Ficou então uma pergunta: afinal, quem foi Landi?
Antonio José Landi ou Giuseppe Antônio Landi (nome italiano de origem) nasceu na Bolonha na Itália, em 30 de outubro de 1713. A partir dos anos de 1730 começou a frequentar o Instituto de Ciências e Artes de Bolonha. Aos 19 anos já era premiado na Academia Clementina, a mais importante instituição de Belas Artes de Bolonha na época.
Segundo a Enciclopédia Itaú Brasil Cultural, Landi foi desenhista, arquiteto, gravador, geógrafo e astrônomo. Formou-se em arquitetura e perspectiva em 1730, tornando-se mestre nessa área, lembrado na escola Clementina até sua morte como grande arquiteto, que num país distante teve a oportunidade de realizar seus sonhos. Entre 1742 e 1749 esteve entre os diretores e professores da Academia Clementina, onde realizou estudos e projetos de igrejas, palácios e teatros. Na Bolonha sua obra mais conhecida é a Raccolta di Alcune Facciate di Palazzi e Cortili de più Riguardevoli di Bologna, 1743, primeira coleção de edifícios, com fachadas, pátios internos e plantas, de sua cidade publicada (MENDONÇA, I. M. G., 2002).
Para Kettle, W.O. (2010), por causa de seu excelente trabalho e pela falta de técnicos em Portugal, Landi foi, a pedido do Rei de Portugal, trabalhar como cartógrafo e convidado a uma expedição na América do Sul, juntamente com espanhóis, franceses, holandeses e ingleses católicos, como membro de demarcação das novas fronteiras entre Portugal e Espanha, instituída pelo Tratado de Madri de 1750, com “objetivos de traçar a fronteira leste-oeste ao norte e levantar as características geográficas, físicas e astronômicas da Amazônia” (Enciclopédia Itaú Brasil Cultural) em substituto ao Tratado de Tordesilhas, delimitando as novas fronteiras entre as terras portuguesas e espanholas.
Dessa maneira, Landi foi encarregado em realizar não somente desenhos das paisagens e cartas geográficas na expedição pelo rio Negro, mas também representar vistas de lugares significativos, animais, plantas, índios e entre outros. Durante aproximadamente quatro anos, contribuiu para a História Natural retratando espécies nativas da fauna e da flora da região amazônica, participando assim da definição das fronteiras, do controle dos limites do território colonial ao norte e do levantamento das características naturais da região amazônica, dando uma guinada decisiva a sua vida (BRAGA, A.C.L., 1998).
Chegou a Belém, cidade fundada em 1616 e já definida urbanisticamente, em 20 de julho de 1753, com quarenta anos, deparando-se com uma cidade rica em cultura e biodiversidade, mas com diferente padrão arquitetônico do europeu, ao qual estava acostumado, necessitando adequar seu estilo mais barroco ao neoclássico que ainda era praticado no Brasil. Aqui se casou e fixou-se no então Grão Pará por 38 anos, até sua morte.
O Brasil no século XVIII, assim como em Portugal, subdivide suas expressões arquitetônicas em três períodos: o primeiro é durante o reinado de D. João V, em que predomina o barroco triunfal, chamado também de barroco joanino, com influência romana do fim do século XVII, o segundo período compreende a época de D. José, em que o rococó em estilo francês se impõe, além do estilo pombalino marcado pelo funcionalismo e modernização que se inicia após o terremoto de 1755 em Lisboa, e o terceiro período que ocorre na época de D. Maria em que prevalece uma arquitetura neoclássica internacional. O barroco joanino e pombalino são introduzidos no Brasil mais significativamente nas construções de igrejas e aparece também em algumas arquiteturas civis. Neste contexto é que se insere Landi, com “rigor da simetria, a sobriedade compositiva, a volumetria horizontal, as planimetrias com base quadrada, retangulares ou com planta central” (TURCHI, M. C., org., s.d.). Foi influenciado pelo tardo-barroco, estilo dominante à época e pelo estilo pombalino por causa da época em que permaneceu em Lisboa antes da vinda ao Brasil. Este estilo pode ser visto na igreja de Santana com sua planta central em forma de cruz grega com cúpula que são suas características marcantes. Segundo Dias, P. (2013, p.30) “a interpretação atual dos especialistas é que Landi não deu a Belém ares europeus, mas sim um aspecto único no mundo, por exibir prédios que misturavam três tradições distintas de construção: a bolonhesa, a portuguesa e a amazônica”.
Para Turchi, M. C. (coord, s.d., p.6), Landi “foi o principal artífice, em terras brasileiras, do encontro de duas tradições culturais: aquela dos anos Setecentos bolonhês e aquela da Amazônia lusitana, entrelaçando sua vida com os acontecimentos das colônias portuguesas ultramarinas”. Com caráter arquitetônico perceptivelmente italiano, preconizou o que viria a ser conhecido em 1816 como neoclassicismo de vertente francesa. Em Belém realizou inúmero projetos, quase todos realizados, como se pode ver em muitos edifícios existentes pela cidade.
Landi realizou de obras urbanísticas à arquitetura, fez pintura de quadratura, projetou púlpitos, decorações, organizou festas, fez decoração de livros e desenhos de mapas (TURCHI, M.C., coord, s.d.). Atuou significativamente na capital do Pará a partir de 1760 com o início da construção da Igreja de Santana. Como arquiteto, atuou na fundação de vilas e cidades, através de construções de pelourinhos, câmara e cadeia, palácios e sedes de governo, realizou projetos e obras de residências particulares, igrejas e prédios públicos, com destaque para a Igreja Santana, o Palácio dos Governadores ou Casa da Residência (a maior obra de Landi), o Hospital Real (hoje Casa das Onze Janelas), a Capela Santa Rita de Cássia e a Capela de São João Batista, levando-o ao título de arquiteto régio, em 1774, deixando marcas que hoje definem a imagem de Belém. “Trabalhou não somente para os governadores do Estado, mas também para o município de Belém, para os bispos das dioceses, para as principais ordens religiosas e para os ricos proprietários da região” (MENDONÇA, I. M. G., 2002, p.1). Além disso, foi protagonista da reforma urbana da cidade de Belém, projetando-a para ser a capital cultural da Amazônia.
Durante toda sua vida, 53 anos de constante atividade, Landi praticamente não mudou seu gosto artístico, que segundo Mendonça, I. M. G (2002), insere-se no classicismo tardobarroco, chamado por alguns historiadores de “estilo pombalino”, desde seu primeiro desenho como estudante da Academia Clementina, em Bolonha de 1732, até a pintura da igreja de Barcelos na Amazônia, em 1785.
Essa imagem é preservada e divulgada através do chamado Circuito Landi na cidade de Belém, que contém informações para ajudar a criar uma consciência de valorização e preservação do patrimônio histórico e cultural da cidade, promovido pelo Fórum Landi, que é um encontro de intelectuais que pretendem tornar patrimônio cultural da humanidade o conjunto arquitetônico de Landi. É patrocinado pela Companhia Vale do Rio Doce e pela Lei Rouanet do Ministério da Cultura (MinC). Essa área é tombada por lei municipal e alguns edifícios e conjuntos urbanos são ainda resguardados por legislação federal e estadual.
Fazem parte desse Circuito rotas urbanas e paisagísticas da Cidade Velha, com pelo menos vinte duas obras, como a Igreja e Colégio de Santo Alexandre, o Hospital Real (hoje Casa das Onze Janelas), a Igreja de Nossa Senhora das Mercês, a Capela da Ordem terceira de São Francisco, a Capela Pombo, a Igreja da Sé, o Palácio dos Governadores, a Igreja de Sant’Ana, o Murutucu, que é uma fazenda adquirida por Landi em 1766, a Capela de Santa Rita, que servia de oratório aos presos, a Capela de São João Batista, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, a Capela da Ordem Terceira do Carmo, os Sobrados do bairro de Campina, a Capela Sepulcral do Governador Athaide Teive no Convento São Francisco, a Casa da Ópera, a Estátua do Rei de Portugal Dom José I, os Quartéis dos Soldados, o Pelourinho, a Alfândega, o Edifício Sede da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão (Fórum Landi).
Essas, como tantas obras realizadas em Belém, devem ser vistas como marcos da cidade que se queria construir, como manifestação possível daquela civilização e como símbolos dos novos tempos pombalinos. “Landi marcou de forma indelével a imagem da cidade de Belém, não só pelos edifícios que nela construiu, como pela influência que a sua obra exerceu na evolução da arquitetura local” (FÓRUM LANDI, s.d., p.68). Assim como tantos outros artistas, construtores, mestres de obra, deve ser considerado como um dos fundadores da cultura brasileira. “A mistura peculiar de estilos que Landi soube promover não era a única razão de seu sucesso. O que impressionava especialistas e leigos, segundo registros da época, era a sua capacidade de dar escala monumental aos projetos, de criar desenhos sofisticados para a decoração desses prédios e, principalmente, sua habilidade em criar cúpulas esplendorosas, reconhecida antes mesmo de ele se mudar para o Brasil” (DIAS, P. 2013, p.32).
Não deixou discípulos ou alunos, mas constituiu o arquiteto mais importante na região do Grão Pará, que deixou além de desenhos a marca inconfundível de seu traço, tornando-as reconhecíveis a todos os pesquisadores. Percorrer a Cidade Velha de Belém é perceber a importância de Landi para esta cidade, com uma arquitetura refinada, onde é permitido admirar o que permanece erguido. Percebe-se, portanto, que Landi era muito mais que um arquiteto, era uma artista e trouxe para o Brasil inúmeras novidades.


Referências
BRAGA, A.C.L. Arquitetura em Belém no século XVIII: as obras de Landi e o contexto urbano atual. V Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Mestrado em Urbanismo, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 1998. Disponível em: <http://www.anpur.org.br/revista/rbeur/index.php/shcu/article/view/629/>. Acesso em: 18/01/2014.

Enciclopédia Itaú Brasil Cultural. Landi, Antonio (1713 – 1791). Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=6241&cd_item=1&cd_idioma=28555>. Acesso em: 28/12/2013.

FÓRUM LANDI. Circuito Landi: Um roteiro pela arquitetura setecentista na Amazônia, s.d. Disponível em: <http://www.scribd.com/fullscreen/64997428?access_key=key-29atw3mwpcwfxdr4j7sg&allow_share=true&escape=false&view_mode=scroll>. Acesso em: 28/12/2013.


KETTLE, W.O. Um súdito capaz no vale amazônico (ou Landi, esse conhecido): um outro significado da descrição das plantas e animais do Grão-Pará. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia, Belém, 2010. Disponível em: <http://www3.ufpa.br/pphist/arquivos/dissertacoes/2010/2010_Wesley_Kettle.pdf>. Acesso em: 07/01/2014.

MENDONÇA, I. M. G. Testemunhos de Bolonha em Portugal e no Brasil: os desenhos do arquiteto Giuseppe Antonio Landi (1713-1791). Lisboa, 2002. Disponível em: <http://ufpa.br/forumlandi/PT/Allegati/TestemunhosBolonhaPortugalBrasil.pdf>. Acesso em: 20/01/2014.
DIAS, P. Um artista de três nações. Revista Dante CulturalAno IX - Número 25 - Novembro de 2013. Disponível em: <http://www.colegiodante.com.br/wp-content/uploads/2013/11/DanteCultural-25.pdf>. Acesso em: 24/01/2014.
TURCHI, M. C. (org.). A arquitetura colonial. s.d. Disponível em: <http://ufpa.br/forumlandi/PT/Contesto/ArchitetturaColoniale.html>. Acesso em: 24/01/2014.
TURCHI, M. C. (coord.). Giuseppe Antonio Landi: O Bibiena do Equador. Secretaria de Cultura da Região Emilia Romanha, s.d.. Disponível em: www.forumlandi.ufpa.br/PT/index.html. Acesso em: 22/01/2014







[1] Estudante do terceiro período de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

2 comentários:

  1. Muito bom!! Vou fazer meu TCC sobre LANDI , seu blog me ajudou!!Se tiver alguma coisa ha mais se possível me envie : rober_martins77@yahoo.com.br , vou fazer referencia deste blog..obg.

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  2. MUITO BOM☺☺☺☺☺☺☺☺🇧🇷🤗

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