O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cemitério Nossa Senhora da Soledade

Por Fernanda Alencar
   
 Em Belém, tradicionalmente, os mortos de famílias nobres ou de pessoas que se associavam a irmandades eram enterrados nas igrejas da cidade, somente os pobres e os escravos, eram enterrados em cemitérios. Mas isso mudou após um surto de febre amarela, cólera e varíola que deixou cerca de 30 mil vítimas e com a proibição de sepultamentos nas igrejas – proibição influenciada pelas medidas de higienização das cidades.

    Em 25 de março de 1850, foi aprovado o Regulamento da Soledade, alterado pela Resolução nº 181 de 9 de dezembro do mesmo ano. Entre os dispositivos dessa Resolução figurava a obrigatoriedade do enterramento no cemitério, de todas as pessoas falecidas na cidade de Belém; mantida na cidade e proibição dos sepultamentos no interior das igrejas ou nos adros das mesmas, ou em cemitério a eles anexos. A infração era punida com a multa de quarenta mil réis e 30 dias de prisão.

    O Cemitério Nossa Senhora da Soledade, foi inaugurado em 8 de janeiro de 1850 e conta com uma capela de mesmo nome, símbolo de que as relações com os mortos não foram totalmente modificadas, ignorando o discurso higienista. “Para a Igreja e determinados segmentos sociais como alguns políticos, o lugar dos mortos era no meio dos vivos, ou seja, dentro das igrejas para que os vivos jamais os esquecessem e quando fossem à Igreja, se lembrassem de rezar por suas almas” (SILVA, 2005 p. 19). 



Foto 1. Primeiro registro fotográfico do cemitério por Felipe Fidanza (década de 1870).
Disponível em: < http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.asp?codigo_sophia=27885>
     Além da capela, os modelos arquitetônicos dos túmulos do Cemitério da Soledade indicam que o costume de se enterrar os mortos no interior de igrejas não desapareceu em virtude de sua proibição. Em outras palavras, já que não era mais possível sepultar nos templos, os mais abastados construíam para si e seus familiares túmulos em forma de templo; pequenas réplicas de igrejas que eram construídas em território bento por autoridades eclesiásticas (SILVA, 2005, p. 97).

Foto 2. Mausoléu da família Antônio Teodorico da Silva Penna.
Fernanda Alencar (2013)
    Após uma análise de terreno, o cemitério foi desativado 30 anos depois, pois sua característica argilosa e arenosa era considerada imprópria ao fim a que o destinava. Para Rodrigues (2003), o fato de o cemitério ter funcionado apenas durante trinta anos foi benéfico, no ponto de vista patrimonial, pois o caracteriza como um verdadeiro livro aberto do século XIX, não sofrendo as influências do século XX, como aconteceu com vários cemitérios, onde se observa a passagem de um estilo artístico a outro.

    E ainda havia uma hierarquia social quanto à ocupação dos sepulcros. Os mausoléus mais expressivos ficam no centro do cemitério, ao longo do corredor central pertencem à militares como o Capitão Manoel Barata, o Tenente-coronel Raimundo Pereira Lima e o Major Gaspar Leitão da Cunha; Famílias nobres como os Chermont, Barata, Antônio Teodorico da Silva Penna, Joaquim Marcelino Rosa, Joaquim Roberto da Silva o Visconde de Arary. Enquanto àqueles que pertencem aos pobres e anônimos estão enterrados nas áreas mais afastadas em modestas sepulturas.

Foto 3. Tipologia das sepulturas. Fernanda Alencar (2013)
Foto 04. Alinhamento dos mausoléus ao longo do corredor central do cemitério.
Fernanda Alencar (2013)
      Em 23 de janeiro de 1964 foi tombado pelo IPHAN - Sendo o primeiro cemitério da Região Norte do país oficialmente reconhecido como patrimônio cultural e, até hoje, o único no estado do Pará - em momento de forte especulação imobiliária em que grandes e médios incorporadores imobiliários se interessavam pelo vasto terreno ocupado pelo cemitério.
“Uma cidade que cresce não se pode dar ao luxo criminoso de despersonalizar-se, destruindo os valores que a caracterizam”. (Mário Barata, 1963)
    Em 2007, o Iphan iniciou a elaboração do projeto de conservação, consolidação e restauração e adaptação do Soledade em Cemitério-Parque, concluído em 2009, pela empresa R2 Arquitetura e Urbanismo Ltda. A obra seria realizada com verba federal proveniente do programa PAC Cidades Históricas, mas a execução do projeto não saiu do papel porque a prefeitura possuía pendências com o Governo Federal que impediam a transferência dos recursos .

    Em 2012 o MPF no Pará ajuizou ação em que pede à Justiça Federal que obrigue a prefeitura de Belém a restaurar o Cemitério, no entanto, segundo o procurador da República Bruno Araújo Soares Valente, a prefeitura não agiu de forma adequada a fim de garantir os recursos necessários ao cumprimento de sua obrigação legal, uma vez que se manteve inerte na adoção das medidas concretas na preservação do patrimônio tombado.

                                                                                                                 

Bibliografia

BARATA, Mário. Valor Urbanístico Do Cemitério Da Soledade. Publicado em 29 de dezembro de 1963, no jornal "A Província do Pará". Disponível em: <http://www.hcgallery.com.br/cemiterio_1.htm> Acessado em: 17/01/2014 

CRUZ, Ernesto. Procissão dos Séculos: vultos e episódios da história do Pará. Belém: Imprensa Oficial, 1952, pp. 177-179. Trecho disponível em: <http://carrogitinho.blogspot.com.br/2012/11/daguerreotipo-16-o-cemiterio-de-nossa.html> Acessado em: 26/01/2014 

MAUÉS, Paola Haber. Cemitério Da Soledade: Patrimônio Vivo Da Cidade De Belém. UNAMA. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/56608288/Cemiterio-da-Soledade> Acessado em: 17/01/2014 

RODRIGUES, P. A. C. O Tempo e a Pedra. Belém: Gráfica Santa Marta, 2003. In: Gestão E Uso Do Patrimônio Cultural: O Culto Aos Santos Populares No Cemitério Nossa Senhora Da Soledade. Belém-Pa, 2013 

SILVA, E. A. O cotidiano da morte e a secularização dos cemitérios em Belém na segunda metade do século XIX (1850/1891). Dissertação de mestrado. PUC/SP, 2005. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_arquivos/17/TDE-2005-05-24T14:49:37Z-863/Publico/ErikaASilva.pdf> Acessado em: 26/01/2014


SILVA, Marlon Lima da. Gestão E Uso Do Patrimônio Cultural: O Culto Aos Santos Populares No Cemitério Nossa Senhora Da Soledade. Belém-Pa, 2013. XIII Simpósio Nacional de Geografia Urbana. Disponível em: <http://www.simpurb2013.com.br/wp-content/uploads/2013/11/GT11-1029-marlon.pdf> Acessado em: 17/01/2014


Prefeitura de Belém pode ser obrigada a restaurar Cemitério da Soledade. Disponível em: <http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2012/prefeitura-de-belem-pode-ser-obrigada-a-restaurar-cemiterio-da-soledade> Acessado em: 26/01/2014

7 comentários:

  1. Obrigada por tão justa homenagem a este acervo da história da nossa atual cidade de Belém.

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  2. Agradeço as informações. Estou a levar meus alunos de Ensino Fundamental para uma aula de campo no mês de abril/2017.

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  3. Uma verdadeira aula. Parabéns. Tenho a esperança que finalmente façam esta restauração pois qnd mais o tempo passa muito se perde.

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  4. Sou apaixonado por história, e a história do meu povo é aquele mais me atrai.

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    1. SOU PARAENSE , ATUALMENTE MORO EM CURITIBA /PARANÁ . ESTOU FAZENDO MINHA GENEALOGIA E RECORDO QUANDO ERA CRIANÇA MINHA MAE LEVOU NOSSA FAMÍLIA PARA CONHECER UM TUMULO DE PARENTESCO NOSSO QUE É NA RUA CENTRAL NO TUMULO DE VICENTE RUIZ E CATARINA RUIZ . TENHO ESSA RECORDAÇAO ~, POR FAVOR ALGUÉM PODE ME AJUDAR SE É ISSO MESMO E QUAL É OS OUTROS NOMES QUE SE ENCONTRAM NO MESMO TUMULO .MUITO OBRIGADA.

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    2. Olá, Creuza! O Cemitério da Soledade ficou fechado por quase dois anos, tendo sido reaberto em 11/1/2023 sob a denominação "Parque Cemitério Soledade". Os túmulos ganharam revitalização, com tratamento químico que tirou toda a sujidade encrustada ao longo de mais de 170 ~ 140 anos. Os mármores parecem novos! Encontrei o túmulo de seu antepassado, Vicente Ruiz, na passarela central e o fotografei. Pelo que pude ler na lápide, apenas ele foi enterrado ali, tendo sido o monumento arquitetônico mandado fazer pela esposa, d. Carolina Pinheiro Bolonha Ruiz. Ele era vice-cônsul de "Sua Majestade Católica" na província do Pará e faleceu aos 48 anos em 15 de setembro de 1852, tendo nascido em Biscaia, na Espanha. Por favor, me procure no facebook "belemdeoutrora", no instagram @belem_de_outrora ou no YouTube (https://www.youtube.com/@belemdeoutrora8161) e lhe enviarei as fotos. Espero ter ajudado. Grande abraço! Felipe Rissato.

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  5. Olá, Felipe e Creuza! Agora fiquei confuso. Na certidão de óbito da minha bisavó Aurora Ruiz de La Rocque viúva de Franscisco de La Rocque, ela é filha de Vicente Ruiz e de Dona Maria Isabel Ruiz. Até onde sei o nome de solteira era Maria Isabel Klautau se não me falhe a memória. Já meu bisavô Francisco era Filho de João Luiz de La Rocque, não sei o nome de sua esposa. João Luiz, irmãos e sócios ganharam a licitação construção do Mercado de Ferro o famoso “Ver o Peso”. Se souberem o nome de sua esposa e de seus pais, eu agradeço de coração! Forte Abraço!

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