Andressa Mota Trein¹
Professora orientadora: Patrícia Orfila
O presente trabalho teve
início a partir de uma visita técnica à cidade de Belém do Pará e objetiva
compreender as etapas de mudanças no desenho da paisagem de Belém. A cidade que
apresenta, devido à sua colonização, modelos de desenho importados de outros
locais, vem criando sua própria forma de produção de espaços urbanos que
contemplam a paisagem da capital paraense, aproveitando a paisagem amazônica
natural presente na cidade e pensando na própria identidade cultural da região
amazônica. Para isto, utilizei-me da análise da criação do Parque Naturalístico
Mangal das Garças, no qual representa essa nova fase do paisagismo belenense.
Ao visitarmos Belém
do Pará, temos uma ampla escala de alternativas de roteiros a se conhecer.
Belas praças, como a Batista Campos e a Praça da República contam com uma gama
de monumentos e construções apresentando a arquitetura de Belém ao longo de sua
história, além das típicas mangueiras centenárias que dão sombra à grande parte
da cidade.
É impossível andar
pela cidade sem se deparar com a riqueza de seu patrimônio histórico
arquitetônico advindo em grande parte da colonização portuguesa. O belíssimo
teatro da Paz, as igrejas em diversos estilos, os inúmeros casarões do centro
da cidade, a maioria construídos ainda no século XIX, encantam os olhos de
qualquer apaixonado pela arte e a arquitetura de nosso passado.
A paisagem
de Belém é delimitada parcialmente pelos rios Amazonas, Maguari e Guamá. O rio
Guamá, de onde retirada cerca de 75% da água para consumo de Belém, é navegável
apenas pelos seus últimos 160 KM e é conhecido pelo fenômeno da pororoca. Às
margens do rio Guamá, encontram-se um campus da UFPA
(Universidade Federal do Pará) e também um dos mais belos Parques amazônicos, o
Mangal das Garças.
Fruto da
revitalização de um aterro abandonado com área de 40.000m² à beira do rio, o
Parque Naturalístico Mangal das Garças foi inaugurado em 12 de janeiro de 2005
em comemoração aos 389 anos da fundação de Belém. Seu idealizador foi o arquiteto
e urbanista Paulo Chaves, atual Secretário de Cultura de Belém. Porém o projeto
envolveu profissionais de diversas áreas representando um avanço em termos de
planejamento urbano em Belém.
A paisagem de Belém e suas transformações primordiais
A
manipulação da paisagem na região amazônica se iniciou, assim como em outras
cidades do Brasil, com a transformação da paisagem natural. Esta foi feita, inicialmente
e de forma vagarosa, pelos índios e sendo prosseguida, com o início da
colonização, pelos portugueses e sua exploração dos recursos naturais
brasileiros.
Dentre
estas explorações, destaca-se a da borracha que possibilitou um grande
crescimento econômico da cidade de Belém e seu consequente desenvolvimento. Neste
contexto, a paisagem urbana de Belém começa a se transformar em ritmo
acelerado.
Porém as
preocupações com espaços da cidade já aconteciam anteriormente ao “boom” do
látex como retrata Segawa:
O tratamento urbanístico das áreas livres foi bastante anterior ao fausto da borracha [...] Todavia, foi nesse momento de pujança econômica que a municipalidade maior atenção dispensou aos seus espaços públicos. (SEGAWA, 1996)
Uma quantidade
considerável de edificações para a burguesia foi projetada por arquitetos e
engenheiros. Muitas daquelas foram influenciadas pelo movimento eclético
difundido na Europa no século XIX. Obras de caráter sanitarista também são
iniciadas neste período como a criação da Praça Batista Campos.
As concepções de
praças, jardins e parques de Belém até o fim do século XIX e começo do século
XX, possuem influências europeias, porém algumas ainda preservam elementos da
paisagem regional, como é o caso do Bosque Rodrigues Alves.
Este caráter
preservacionista em relação à paisagem começou a ser ressaltado de forma mais
efetiva na transição entre os séculos XX e XXI, no qual deixa-se de lado os
modelos paisagísticos europeus importados e é dado mais valor à exaltação da
paisagem regional.
Mangal das Garças: projeto e implantação
O
mais novo parque de Belém atrai não só os turistas e moradores, mas também
estudantes de toda a região de Belém que vão em busca de conhecer e apreciar
suas belas paisagens. Estas podem ser contempladas pelos passeios em meio ao
anigal, pela visita ao mirante, pela vista do voo das garças ao pôr do sol ou a
ida ao borboletário.
Foto 1: Mangal das Garças: Aves.
Fonte: Arquivo
particular do autor, 2013.
O projeto
paisagístico, produto do trabalho de Rosa Kliass, buscava a preservação da rica
diversidade ecológica do ambiente amazônico.
Conforme Kliass
(2006)², o
parque foi criado com o objetivo de propor à população e aos visitantes
vivenciar a natureza e as águas, em sítio junto ao centro histórico.
Segundo Kliass (2008, apud. MERGULHÃO, 2009, p. 100): “Em lugar de paisagem regional, eu diria em verdade que o projeto deve sempre ter uma carga do que se refere à paisagem do lugar. Este aspecto faz parte daquilo que eu considero um dos aspectos essenciais para a garantia da qualidade do projeto: o caráter da paisagem e o significado do lugar criado”.
Além de se fazer a
recuperação do anigal, buscou-se também a inserção da vegetação nativa dos
campos, das áreas de várzea e das matas de terra firme, as três grandes regiões
florísticas do estado paraense na tentativa de criar um espaço naturalístico
naquela área. Foi proposto o plantio de diversas espécies vegetais amazônicas,
de forração, arbustiva e arbórea.
O parque possui dois
setores, contendo no primeiro a parte da portaria, estacionamento, a praça
central, o Armazém do tempo e o edifício do Memorial Amazônico da Navegação e o
restaurante acima deste. O segundo setor engloba a praça cujo contém uma fonte
com água que se estende por meio de um córrego até a parte do lago. O córrego
possui forma sinuosa remete a ideia do contorno dos rios amazônicos, assim como
as circulações em meio ao parque lembram as circulações dos ribeirinhos
amazônicos.
O avanço paisagístico e ecológico proporcionado pelo
Mangal das Garças contribuiu também para o desenvolvimento turístico da cidade
e para a geração de novos postos de trabalho diretos e indiretos. Porém:
Considerando o Mangal como um dos novos equipamentos urbanos criados na cidade e como parte da cidade, nota-se a ausência de um urbanista na equipe técnica, o qual, associado ao paisagista, poderia responder sobre a integração do parque na malha urbana da cidade de Belém, como um elemento constituinte de um sistema de parques integrados, o que possibilitaria dessa forma o acesso público ao rio e à sua paisagem, e, por conseguinte, à região das ilhas que circundam a cidade. (MERGULHÃO, 2009)
Apesar de críticas
que apontam o Mangal e outras obras como apenas intervenções pontuais na orla
com o intuído de definir nova imagem para a cidade, elas possuem sua
importância em termos de reafirmar e contemplar a paisagem natural de Belém. O
uso de madeiras nativas nos pisos das circulações e edifícios e as técnicas
construtivas locais referenciam os elementos culturais de Belém.
Foto 2: Mangal das Garças: Pisos em
madeira.
Fonte: Arquivo particular do autor, 2013.
Foto 3: Mangal das Garças: Restaurante Manjar
das Garças - arquitetura em madeira
Fonte: Site do
Mangal das Garças³.
Conforme
Mergulhão (2009, p. 118), “o traçado orgânico foi determinado para atender ao
conceito que sugere a contemplação da natureza, e esse induz o visitante a
percorrer um caminho que o levará à observação da paisagem”.
Foram adotados níveis de observação,
como o mirante e as varandas do restaurante e do museu, para complementar a
contemplação da paisagem local.
Algumas modificações
no momento de implantação do parque foi que o projeto inicial previa a
implantação de um viveiro de pássaros no local do borboletário, além da
substituição de algumas espécies do projeto paisagístico e da posterior
inclusão do orquidário.
O terreno do projeto, apesar de necessitar de
alguns aterros, era geralmente plano. Porém foram propostas algumas elevações
como é o caso da área envolta pela cascata que seria uma metáfora ao ciclo de
água na Amazônia:
Segundo o Engenheiro e Arquiteto Aurélio Meira (2009, apud. MERGULHÃO, 2009, p. 123): “A cascata marca o início do ciclo, depois vem o córrego, que é o igarapé amazônico, este se dirige para a Praça Murmúrio das Águas, que simboliza a formação dos rios da Amazônia; estes se unem em um epicentro para formar um único rio que percorre o parque, formando ilhas, até desaguar no lago”.
O solo implantado no projeto não foi adequado ao plantio
de espécies vegetais, pois o aterro era composto de material de fácil
compactação e de difícil permeabilidade, o que dificultava o crescimento das
raízes de algumas plantas.
Segundo Mergulhão, “podem ser
identificados os seguintes elementos culturais que permitem expressar parte da
riquíssima paisagem natural aquática amazônica: o Lago do Cavername e o Lago da
Ponta, com espécies aquáticas, aves pernaltas, peixes e quelônios da Amazônia,
o lago do viveiro e do borboletário; a cascata do parque e do borboletário; a
fonte do Armazém do Tempo; o riacho do parque e, principalmente, a área
alagável de várzea que foi mantida e que margeia o rio Guamá, e o próprio rio
que se integra ao parque, graças ao partido adotado, todo voltado para o
mesmo.”.
Alguns
destes mesmos elementos podem ser encontrados em outros projetos paisagísticos
da cidade de Belém. A água é importante para a manutenção do ambiente ecológico
do Parque rico em termos de fauna e flora.
O
Mangal vem obtendo sucesso em relação à autossustentação faunística com a
procriação de animais, formação de ninhos entre outros.
Foto 4: Mangal das Garças: Nascimento de
ave.
Fonte: Site do Mangal das Garças[4].
Desta forma, ele
serviu também para manutenção do ecossistema daquela região, atraindo animais e
preservando a paisagem natural que se encontrava no local.
CONCLUSÕES
O
tratamento da paisagem de Belém fora influenciado por tradições europeias até a
transição dos séculos XX e XXI quando se começou um processo de valorização da
paisagem amazônica presente em Belém. Esta então possui grandes espaços verdes
com traços que revelam seus antecedentes históricos.
Além
dos vários projetos realizados em nesta capital nos últimos anos por Paulo
Chaves e sua equipe, o Mangal das Garças foi resultado da revitalização de um
grande espaço beira rio em que se encontrava uma área alagada e abandonada.
Este parque aparenta representar o rompimento com este passado histórico que
valorizava aspectos de outras realidades, as quais não eram as de Belém.
A criação de novos
espaços urbanos como o Parque Naturalístico Mangal das Garças e a Estação das
Docas refletem esta nova tentativa de desenho da paisagem que valorize os
aspectos culturais e regionais da capital paraense. Este desenho então não
teria de ser importado de outros lugares com características culturais, ecológicas,
dentre outras características diferentes.
Trata-se então de uma
nova forma de pensar e valorizar a paisagem amazônica, introduzindo projetos
nos quais ela seja um dos pontos principais das decisões nos projetos paisagísticos,
além deste ser totalmente pensado para a cidade de Belém.
[1]Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do
Tocantins (UFT).
Email:
andressa_trein@mail.uft.edu.br
[2] KLIASS, Rosa. Desenhando paisagens, moldando uma profissão. São Paulo: Editora Senac, 2006, p.
[3] Disponível em <http://www.mangalpa.com.br/> Acesso em jan. 2014
[4] Disponível em <http://www.mangalpa.com.br/> Acesso em jan.
2014
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MERGULHÃO,
Pedro. A paisagem amazônica no
paisagismo de Belém: Caso Parque Naturalístico Mangal das Garças. Recife: O
Autor, 2009
SEGAWA,
Hugo. Ao amor do público: Jardins do Brasil. São Paulo : Studio Nobel : FAPESP, 1996.
KLIASS, Rosa.
Desenhando paisagens, moldando uma profissão. São Paulo: Editora Senac,
2006.
FOTOS DO MANGAL DAS GARÇAS
Disponível em:
http://www.mangalpa.com.br/. Acesso em 28/01/2014.
ARQUITETURA DO CICLO DA BORRACHA EM BELÉM DO PARÁ- BRASIL. GUIA TEMÁTICO E
ROTEIROS CULTURAIS
Disponível em:
http://www.todopatrimonio.com/pdf/cicop2012/75-actas_cicop2012.pdf. Acesso em
28/01/2014.
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