O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O paisagismo amazônico do Pará: Parque Naturalístico Mangal das Garças



Andressa Mota Trein¹
Professora orientadora: Patrícia Orfila



O presente trabalho teve início a partir de uma visita técnica à cidade de Belém do Pará e objetiva compreender as etapas de mudanças no desenho da paisagem de Belém. A cidade que apresenta, devido à sua colonização, modelos de desenho importados de outros locais, vem criando sua própria forma de produção de espaços urbanos que contemplam a paisagem da capital paraense, aproveitando a paisagem amazônica natural presente na cidade e pensando na própria identidade cultural da região amazônica. Para isto, utilizei-me da análise da criação do Parque Naturalístico Mangal das Garças, no qual representa essa nova fase do paisagismo belenense.
Ao visitarmos Belém do Pará, temos uma ampla escala de alternativas de roteiros a se conhecer. Belas praças, como a Batista Campos e a Praça da República contam com uma gama de monumentos e construções apresentando a arquitetura de Belém ao longo de sua história, além das típicas mangueiras centenárias que dão sombra à grande parte da cidade.
É impossível andar pela cidade sem se deparar com a riqueza de seu patrimônio histórico arquitetônico advindo em grande parte da colonização portuguesa. O belíssimo teatro da Paz, as igrejas em diversos estilos, os inúmeros casarões do centro da cidade, a maioria construídos ainda no século XIX, encantam os olhos de qualquer apaixonado pela arte e a arquitetura de nosso passado.
A paisagem de Belém é delimitada parcialmente pelos rios Amazonas, Maguari e Guamá. O rio Guamá, de onde retirada cerca de 75% da água para consumo de Belém, é navegável apenas pelos seus últimos 160 KM e é conhecido pelo fenômeno da pororoca. Às margens do rio Guamá, encontram-se um campus da UFPA (Universidade Federal do Pará) e também um dos mais belos Parques amazônicos, o Mangal das Garças.

Fruto da revitalização de um aterro abandonado com área de 40.000m² à beira do rio, o Parque Naturalístico Mangal das Garças foi inaugurado em 12 de janeiro de 2005 em comemoração aos 389 anos da fundação de Belém. Seu idealizador foi o arquiteto e urbanista Paulo Chaves, atual Secretário de Cultura de Belém. Porém o projeto envolveu profissionais de diversas áreas representando um avanço em termos de planejamento urbano em Belém.

A paisagem de Belém e suas transformações primordiais

            A manipulação da paisagem na região amazônica se iniciou, assim como em outras cidades do Brasil, com a transformação da paisagem natural. Esta foi feita, inicialmente e de forma vagarosa, pelos índios e sendo prosseguida, com o início da colonização, pelos portugueses e sua exploração dos recursos naturais brasileiros.
            Dentre estas explorações, destaca-se a da borracha que possibilitou um grande crescimento econômico da cidade de Belém e seu consequente desenvolvimento. Neste contexto, a paisagem urbana de Belém começa a se transformar em ritmo acelerado.
           
   Porém as preocupações com espaços da cidade já aconteciam anteriormente ao “boom” do látex como retrata Segawa:

O tratamento urbanístico das áreas livres foi bastante anterior ao fausto da borracha [...] Todavia, foi nesse momento de pujança econômica que a municipalidade maior atenção dispensou aos seus espaços públicos. (SEGAWA, 1996)

Uma quantidade considerável de edificações para a burguesia foi projetada por arquitetos e engenheiros. Muitas daquelas foram influenciadas pelo movimento eclético difundido na Europa no século XIX. Obras de caráter sanitarista também são iniciadas neste período como a criação da Praça Batista Campos. 
As concepções de praças, jardins e parques de Belém até o fim do século XIX e começo do século XX, possuem influências europeias, porém algumas ainda preservam elementos da paisagem regional, como é o caso do Bosque Rodrigues Alves.
Este caráter preservacionista em relação à paisagem começou a ser ressaltado de forma mais efetiva na transição entre os séculos XX e XXI, no qual deixa-se de lado os modelos paisagísticos europeus importados e é dado mais valor à exaltação da paisagem regional.

Mangal das Garças: projeto e implantação

            O mais novo parque de Belém atrai não só os turistas e moradores, mas também estudantes de toda a região de Belém que vão em busca de conhecer e apreciar suas belas paisagens. Estas podem ser contempladas pelos passeios em meio ao anigal, pela visita ao mirante, pela vista do voo das garças ao pôr do sol ou a ida ao borboletário.
Foto 1: Mangal das Garças: Aves.
Fonte: Arquivo particular do autor, 2013.

O projeto paisagístico, produto do trabalho de Rosa Kliass, buscava a preservação da rica diversidade ecológica do ambiente amazônico.
Conforme Kliass (2006)², o parque foi criado com o objetivo de propor à população e aos visitantes vivenciar a natureza e as águas, em sítio junto ao centro histórico.
Segundo Kliass (2008, apud. MERGULHÃO, 2009, p. 100): “Em lugar de paisagem regional, eu diria em verdade que o projeto deve sempre ter uma carga do que se refere à paisagem do lugar. Este aspecto faz parte daquilo que eu considero um dos aspectos essenciais para a garantia da qualidade do projeto: o caráter da paisagem e o significado do lugar criado”.

Além de se fazer a recuperação do anigal, buscou-se também a inserção da vegetação nativa dos campos, das áreas de várzea e das matas de terra firme, as três grandes regiões florísticas do estado paraense na tentativa de criar um espaço naturalístico naquela área. Foi proposto o plantio de diversas espécies vegetais amazônicas, de forração, arbustiva e arbórea.
O parque possui dois setores, contendo no primeiro a parte da portaria, estacionamento, a praça central, o Armazém do tempo e o edifício do Memorial Amazônico da Navegação e o restaurante acima deste. O segundo setor engloba a praça cujo contém uma fonte com água que se estende por meio de um córrego até a parte do lago. O córrego possui forma sinuosa remete a ideia do contorno dos rios amazônicos, assim como as circulações em meio ao parque lembram as circulações dos ribeirinhos amazônicos.
O avanço paisagístico e ecológico proporcionado pelo Mangal das Garças contribuiu também para o desenvolvimento turístico da cidade e para a geração de novos postos de trabalho diretos e indiretos. Porém:
Considerando o Mangal como um dos novos equipamentos urbanos criados na cidade e como parte da cidade, nota-se a ausência de um urbanista na equipe técnica, o qual, associado ao paisagista, poderia responder sobre a integração do parque na malha urbana da cidade de Belém, como um elemento constituinte de um sistema de parques integrados, o que possibilitaria dessa forma o acesso público ao rio e à sua paisagem, e, por conseguinte, à região das ilhas que circundam a cidade. (MERGULHÃO, 2009)

Apesar de críticas que apontam o Mangal e outras obras como apenas intervenções pontuais na orla com o intuído de definir nova imagem para a cidade, elas possuem sua importância em termos de reafirmar e contemplar a paisagem natural de Belém. O uso de madeiras nativas nos pisos das circulações e edifícios e as técnicas construtivas locais referenciam os elementos culturais de Belém.
Foto 2: Mangal das Garças: Pisos em madeira.      
Fonte: Arquivo particular do autor, 2013.



Foto 3: Mangal das Garças: Restaurante Manjar das Garças - arquitetura em madeira
Fonte: Site do Mangal das Garças³.



Conforme Mergulhão (2009, p. 118), “o traçado orgânico foi determinado para atender ao conceito que sugere a contemplação da natureza, e esse induz o visitante a percorrer um caminho que o levará à observação da paisagem”.
Foram adotados níveis de observação, como o mirante e as varandas do restaurante e do museu, para complementar a contemplação da paisagem local.
Algumas modificações no momento de implantação do parque foi que o projeto inicial previa a implantação de um viveiro de pássaros no local do borboletário, além da substituição de algumas espécies do projeto paisagístico e da posterior inclusão do orquidário.
 O terreno do projeto, apesar de necessitar de alguns aterros, era geralmente plano. Porém foram propostas algumas elevações como é o caso da área envolta pela cascata que seria uma metáfora ao ciclo de água na Amazônia: 
Segundo o Engenheiro e Arquiteto Aurélio Meira (2009, apud. MERGULHÃO, 2009, p. 123): “A cascata marca o início do ciclo, depois vem o córrego, que é o igarapé amazônico, este se dirige para a Praça Murmúrio das Águas, que simboliza a formação dos rios da Amazônia; estes se unem em um epicentro para formar um único rio que percorre o parque, formando ilhas, até desaguar no lago”.

O solo implantado no projeto não foi adequado ao plantio de espécies vegetais, pois o aterro era composto de material de fácil compactação e de difícil permeabilidade, o que dificultava o crescimento das raízes de algumas plantas.
            Segundo Mergulhão, “podem ser identificados os seguintes elementos culturais que permitem expressar parte da riquíssima paisagem natural aquática amazônica: o Lago do Cavername e o Lago da Ponta, com espécies aquáticas, aves pernaltas, peixes e quelônios da Amazônia, o lago do viveiro e do borboletário; a cascata do parque e do borboletário; a fonte do Armazém do Tempo; o riacho do parque e, principalmente, a área alagável de várzea que foi mantida e que margeia o rio Guamá, e o próprio rio que se integra ao parque, graças ao partido adotado, todo voltado para o mesmo.”.
            Alguns destes mesmos elementos podem ser encontrados em outros projetos paisagísticos da cidade de Belém. A água é importante para a manutenção do ambiente ecológico do Parque rico em termos de fauna e flora.
            O Mangal vem obtendo sucesso em relação à autossustentação faunística com a procriação de animais, formação de ninhos entre outros.


Foto 4: Mangal das Garças: Nascimento de ave.
Fonte: Site do Mangal das Garças[4].


Desta forma, ele serviu também para manutenção do ecossistema daquela região, atraindo animais e preservando a paisagem natural que se encontrava no local.

CONCLUSÕES

            O tratamento da paisagem de Belém fora influenciado por tradições europeias até a transição dos séculos XX e XXI quando se começou um processo de valorização da paisagem amazônica presente em Belém. Esta então possui grandes espaços verdes com traços que revelam seus antecedentes históricos.
            Além dos vários projetos realizados em nesta capital nos últimos anos por Paulo Chaves e sua equipe, o Mangal das Garças foi resultado da revitalização de um grande espaço beira rio em que se encontrava uma área alagada e abandonada. Este parque aparenta representar o rompimento com este passado histórico que valorizava aspectos de outras realidades, as quais não eram as de Belém.
A criação de novos espaços urbanos como o Parque Naturalístico Mangal das Garças e a Estação das Docas refletem esta nova tentativa de desenho da paisagem que valorize os aspectos culturais e regionais da capital paraense. Este desenho então não teria de ser importado de outros lugares com características culturais, ecológicas, dentre outras características diferentes.
Trata-se então de uma nova forma de pensar e valorizar a paisagem amazônica, introduzindo projetos nos quais ela seja um dos pontos principais das decisões nos projetos paisagísticos, além deste ser totalmente pensado para a cidade de Belém.

[1]Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Email: andressa_trein@mail.uft.edu.br

[2] KLIASS, Rosa. Desenhando paisagens, moldando uma profissão. São Paulo: Editora Senac, 2006, p.
[3] Disponível em <http://www.mangalpa.com.br/>  Acesso em jan. 2014

[4] Disponível em <http://www.mangalpa.com.br/>  Acesso em jan. 2014


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MERGULHÃO, Pedro. A paisagem amazônica no paisagismo de Belém: Caso Parque Naturalístico Mangal das Garças. Recife: O Autor, 2009

SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: Jardins do Brasil. São Paulo : Studio Nobel : FAPESP, 1996.

KLIASS, Rosa. Desenhando paisagens, moldando uma profissão. São Paulo: Editora Senac, 2006.

FOTOS DO MANGAL DAS GARÇAS
Disponível em: http://www.mangalpa.com.br/. Acesso em 28/01/2014.

ARQUITETURA DO CICLO DA BORRACHA EM BELÉM DO PARÁ- BRASIL. GUIA TEMÁTICO E ROTEIROS CULTURAIS
Disponível em: http://www.todopatrimonio.com/pdf/cicop2012/75-actas_cicop2012.pdf. Acesso em 28/01/2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário