O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Mercado, ferro e história.

                                                                  Por Vitor Mamede Collicchio¹.

Foto 01- Vista do Mercado.
Fonte: Renato Barbosa.
         O Mercado Municipal, também conhecido com Mercado de Carne ou Mercado de Bolonha foi inaugurado no ano de 1867, na baía do Guajará, no complexo do Ver-O-Peso. Posteriormente foi denominado de Mercado Francisco Bolonha em homenagem ao engenheiro que o remodelou no ano de 1908.
            A história da construção do primeiro mercado teve início com o conselheiro Jerônimo Francisco Coelho, que ao assumir o cargo de presidente da Província do Pará, em 08 de maio de 1848, encontrou uma cidade sem um mercado, nos moldes dos existentes em várias cidades europeias. No discurso da abertura da Assembleia Legislativa da Província cinco meses depois, o presidente colocou o mercado na lista de prioridades de obras que faltavam à Belém, e que foi construído no seu Governo. A historiografia reporta o ano de 1852, como aprovação e início da construção do primeiro Mercado Público na cidade de Belém, hoje conhecido como Mercado de Carne. (CRUZ, 1945. p. 205 e 206).
            Já em 1900 o Mercado Municipal, construído em alvenaria de tijolos, não estava mais suportando o crescimento elevado de mercadores e mercadorias. Esse aumento era tão excessivo que outros mercadores se espalhavam pelos arredores de todo o mercado. Nesta época, no mundo, falava-se muito de questões humanitárias de direito ao homem e também em questões sanitárias, foi desse modo que o governo viu a importância de uma intervenção maior na questão de salubridade, espaço e dignidade. E é por causa desses condições que em 1901 foi inaugurado outro edifício voltado para a comercialização de mercadorias como principalmente o peixe, O Mercado de Peixe ou o Mercado de Ferro. Este novo Mercado foi todo construído bem próximo ao Mercado Municipal de Carne e moldado em ferro fundido, possuindo quatro torres nos cantos dele, uma em cada canto.

Contexto Histórico da Belle Époque.            
Entre os séculos XIX e XX a sociedade brasileira passava por algumas mudanças e avanços materiais e tecnológicos, nas questões de espaço público, a montagem de uma nova moral e ”revitalização” urbana.  Toda essa mudança começou a ser demonstrada através do modo de se vestir, os meios de transportes mais elitizados, as construções luxuosas, ferrovias, energia elétrica, dentre outras. Manifestando as conquistas burguesas nessa época.
 “O processo de modernização da cidade de Belém só foi possível em razão do enriquecimento que atingiu certos setores sociais da região a partir da segunda metade do século XIX. Reforçando o processo de inserção da Amazônia no sistema capitalista mundial, toda atividade econômica da região passou a girar em torno da borracha a partir de 1840. Em decorrência dessa nova ordem econômica, Belém assumiu o papel de principal porto de escoamento da produção gomífera, canalizando parte do excedente que se originou dessa economia para os cofres públicos, os quais direcionaram o investimento para a área do urbano, com calçamento de ruas com paralelepípedos de granito importados da Europa, construções de prédios públicos, casarões em azulejo, monumentos, praças etc. [...]”. (SARGES. 2010. p. 20)
Com as relações econômicas muito boas da Amazônia com outros países da Europa e a utilização da borracha como matéria prima para as indústrias, essa região do Pará começou a adquirir um desenvolvimento muito grande nesta época. O aumento das aplicações do látex da borracha e o grande aumento também da demanda pelo produto fez com que a economia crescesse mais ainda, favorecendo as elites da Amazônia que tinham o poder sobre o látex.Nesta época via-se a necessidade de uma reestruturação em Belém, era preciso enquadrar a cidade nos padrões de civilização europeia, principalmente da França, o qual foi aplicado. Isso teve a intenção de passar a imagem do progresso vivido na cidade, com construções de praças, mercados, ruas, calçadas, etc.
Durante a época do ciclo da borracha (1880 a 1912), Belém passou por muitos avanços econômicos, mas isso por causa também de sua posição geográfica. Possuiu o principal porto de escoamento da produção do látex da borracha, possibilitando a tomada da vanguarda cultural da região durante a chamada Belle Époque.
Foto 02- Entrada do Mercado.
Fonte: Arquivo Pessoal.
            O mercado, que é um edifício da época da borracha, é bem representativo no que se diz respeito à arquitetura. Construído inicialmente de alvenaria com dois pavimentos, o mercado de carne não suportava mais sua cota, como foi visto anteriormente, e precisou ser reformado. O projeto da reforma foi feito pelo engenheiro Francisco Bolonha, utilizando do ferro para compor o novo Mercado, que foi inaugurado no dia 17 de Dezembro de 1908. Após a reforma, o edifício contou com linhas de estilo neoclássicas, lojas com entradas externas que dava aceso diretamente a rua e hoje o portão que dá acesso ao pátio central foi substituído para um portão de ferro ornamentado.
Foto 03- Observatório.
Fonte: Arquivo Pessoal 

            
Durante a sua reforma, o mercado sofreu várias modificações, tanto nos pavilhões do pátio central, quanto nas instalações sanitárias que foram instaladas e melhoradas, além de reinstalações da rede de esgoto. Pela planta é possível verificar que as lojas que ficam no térreo foram modificadas e aumentadas de tamanho, além de possivelmente os compartimentos exteriores terem diminuído pelo fato de se dividirem em outras lojas menores. Mesmo depois de sua reforma o espaço continua em constantes mudanças e reparos para garantir o funcionamento do Mercado.

            No pátio central foi mantida a mesma localização dos antigos barracões feitos de madeira, mas no lugar instalaram pavilhões metálicos, servindo de abrigo para os comerciantes de carne. Esses pavilhões foram instalados e produzidos pela empresa Walter MacFarlane. Além dos pavilhões, na localidade da antiga caixa d’água está agora uma estrutura de metal que tem a funcionalidade de observar todo o pátio do mercado, possuindo uma escada helicoidal em art nouveau. Esses pavilhões possuem 20 metros de comprimento, 10 metros de largura e 4 metros de pé direito. Sua cobertura são dois planos: o primeiro era usado a telha francesa e no segundo uma claraboia. Esses planos estavam separados por um lanternim de um metro de altura com venezianas metálicas. Esses pavilhões eram fechados com portas de ferro entre as colunas que dão a sustentação. A parte superior à porta de enrolar é circuncidada por painéis de ferro fundido, auxiliando na ventilação juntamente com as venezianas. (VEIGA, 2007. p. 64).
           Durante a sua reforma, o mercado sofreu várias modificações, tanto nos pavilhões do pátio central, quanto nas instalações sanitárias que foram instaladas e melhoradas, além de reinstalações da rede de esgoto. Pela planta é possível verificar que as lojas que ficam no térreo foram modificadas e aumentadas de tamanho, além de possivelmente os compartimentos exteriores terem diminuído pelo fato de se dividirem em outras lojas menores. Mesmo depois de sua reforma o espaço continua em constantes mudanças e reparos para garantir o funcionamento do Mercado.
            No ano de 1988 o mercado sofreu um incêndio que teve início em uma das lojas, mas os bombeiros conseguiram conter as chamas e apenas três lojas foram destruídas, mas a estrutura continuou sem nenhum dano por causa do fogo. Poucos meses depois do primeiro incêndio o prédio sofreu outro novo, que desta vez causou maiores danos, destruindo quatro lojas externas e danificando drasticamente uma viga do pavimento superior. O dano foi tão grande que o prédio teve que ser demolido na localidade da viga e refeito.

Arquitetura e preservação.
            A Era do Ferro no Pará está entre o fim do século XIX e começo do XX, quando era nítido o crescimento econômico da região e a ascensão de uma burguesia enriquecida com o comércio da borracha.  Nessa época a capital sofreu várias transformações e foi remodelada segundo um ideal que ocorria nas cidades europeias, modificadas pela Revolução Industrial. É nesse momento que são vistos os primeiros parques e áreas verdes surgindo em Belém e uma nova arquitetura feita totalmente de ferro trazida da Europa é erguida, hoje adotada como patrimônio histórico e cultural de Belém, como o Mercado de Carne, de Peixe, o Relógio de Ferro, os galpões da Estação das Docas, e vários outros. As melhorias urbanas feitas no período como as reformas dos mercados públicos, construções de ruas e calçadas, rede de esgoto, urbanização, paisagismo de vias públicas e praças, reestruturou a cidade de tal forma que ainda hoje é possível ver suas marcas nela. (disponível em: http://eradoferro.diarioonline.com.br/ Acessado em: 18 de janeiro de 2014)
            Em relação ao Mercado de Peixe, o Mercado Municipal de Carne não sofreu uma intervenção tão grande quanto ele, pode-se dizer que ele não sofreu uma restauração, mas sofreu reformas. A maior intervenção foi feita para a ocupação do pátio central feito por Francisco Bolonha ao utilizar pavilhões de ferro em art nouveau, em 1908.
O art nouveau nasceu na Europa entre 1890 e a Primeira Guerra Mundial e chegou ao Brasil no início do século XX. Ele foi uma tentativa de renovação e de síntese das artes, não foi restringido a apenas um setor, mas a vários, tanto a arquitetura quanto artes plásticas, gráficas e principalmente das artes decorativas. A principal influência adquirida por esse estilo foi da natureza, utilizando de temáticas naturalistas, procurando expressar melhor os detalhes através do uso dos ritmos das curvas, arcos e elementos ondulados. (FILHO. 1970. p. 45).
                   As intervenções que houveram no Mercado na época limitaram-se em completar o grande pátio central da obra, a parte de circulação e das galerias, além de detalhes nos pavilhões de ferro e em suas coberturas. Nas galerias foram instaladas cozinhas, depósitos, frigoríficos e banheiros, obras que foram executadas e uma forma errônea, desrespeitando o patrimônio histórico que é o prédio, pois construíram paredes e bancadas em alvenaria e os espaços acabaram tornando-se escuros e fechados gerando criticas enormes, pois era e é defendido que uma intervenção de restauração verdadeira não modificaria e nem tentaria “modernizar” a originalidade da obra. No que diz respeito à cobertura ela também sofreu algumas interferências e substituições. No pavimento superior algumas telhas foram substituídas por telhas metálicas, assim como na marquise de cobertura e na circulação. Já nos pavilhões de ferro no pátio central, as telhas de vidro que compunham a claraboia foram substituídas por telhas de cerâmica. (VEIGA, 2007. p.125 e 126).
            Hoje em dia o Mercado está funcionando normalmente, aberto de terça a domingo para comerciantes e fregueses que procuram no complexo do Ver-o-Peso além de um local para comprar suas mercadorias e compras domésticas, um pouco da história do início de uma era em Belém, uma história contada em suas paredes restauradas e em seu pátio de ferro.

  [1] Acadêmico do curso de Arquitetura e Urbanismo da Fundação Universidade Federal do Tocantins- (UFT).

e-mail: vitor.collicchio@gmail.com



Referências Bibliográficas:



VEIGA, Débora de Fátima Lima. Os Mercados de Belém: Um Estudo sobre a Preservação da Arquitetura de Ferro. São Paulo. 2007. Dissertação (Mestrado em História e fundamento da Arquitetura e do Urbanismo) – FAUUSP, 2007.


CRUZ, Ernesto. Belém, Aspectos geo-sociais do município. Rio de Janeiro, José Olímpio, vol, 1, 1945.


SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a Belle Époque (1870-1912). 3. ed. Belém: Paka-Tatu, 2010.


FLEURY. Jorge Nassar e FERREIRA. Aline Alves. Ver-o-Peso da cidade: O mercado, a carne e a cidade no final do século XIX. Estudos Amazônicos, Belém, vol. VI, nº 1, pp. 100-116, jun. 2011.


SOBRAL. Armando. A Era do Ferro: Memória e Patrimônio. A Era do Ferro. 2012. Disponível em: <http://eradoferro.diarioonline.com.br>. Acesso em: 18 de jan. 2014.

 


Filho, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo. Ed. Perspectiva, 1970.



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