O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Estação das Docas: As visões antagônicas do projeto de revitalização da zona portuária da cidade de Belém.

Marcela Falcão Braga*
O estabelecimento do núcleo da cidade se deu por ser o ponto estratégico escolhido para se estabelecer a defesa da Amazônia por parte de Portugal. E em 12 de janeiro de 1616, foi fundado o Forte do Castelo do Senhor Santo Cristo do Presépio de Belém. Um povoado ao redor do forte foi formado e chamado de Feliz Lusitânia. Este mudou de nome duas vezes até chegar no que é hoje: Belém do Pará.

Forte do Castelo.
Fonte: acervo pessoal de Betânia Barbosa.

No século XVIII, a corte portuguesa embarcou para o Brasil e foi parar na cidade do Rio de Janeiro, apesar de Belém já ter se preparado para recebê-la. Belém então ficou distante das decisões do sul do país e ligada fortemente a Portugal. Mesmo com a independência do Brasil, o Grão-Pará só a reconheceu em 15 de agosto de 1823. Apesar do reconhecimento, Portugal continuou a mandar no estado, e só com a construção da Rodovia Belém-Brasília isso teve fim.
Entre os séculos XIX e XX, Belém passou a ter grande importância no cenário internacional devido ao Ciclo da Borracha. Foi neste período que importantes prédios foram construídos, como o Teatro da Paz, o Palácio Antônio Lemos, o Mercado Ver-o-Peso e a Zona Portuária. E foi nessa época também que diversos imigrantes chegaram à cidade: portugueses, chineses, franceses, japoneses e espanhóis. Foi assim que se compôs a rica cultura paraense: com a mescla de diferentes culturas.
A atual Estação das Docas foi uma das principais obras do Governo do Estado do Pará, iniciada pela gestão do governador Almir Gabriel (1995-2002) e seguida pela administração de Simão Jatene (2003-2006). Essa e outras obras fizeram parte de uma política cultural empreendida pelo PSDB, através do secretário de cultura Paulo Chaves, durante os 12 anos de gestão do Estado do Pará. Paulo Chaves atuou em uma política cultural que deu ênfase a intervenções urbanísticas de grande escala na cidade de Belém. O principal objetivo dessa política era inserir a cidade de forma competitiva no mercado simbólico nacional e internacional, atuando de forma direta na circulação de cultura e na revitalização e preservação do patrimônio histórico.
O equipamento cultural foi construído a partir de estruturas já existentes do antigo porto da cidade. Possui uma área de 32 mil metros quadrados, à beira da baía do Guajará, disposta em três grandes armazéns e um terminal de passageiros. O Armazém 1 é chamado de Boulevard das Artes. O Armazém 2 de Boulevard da Gastronomia, e o 3, Boulevard das Feiras e Exposições.
O complexo caracteriza-se como importante centro no contexto da circulação de produtos e de consumos culturais da cidade e chega a receber 1.140 milhões de pessoas por ano, contando com mais de duzentas mil atrações. O espaço congrega gastronomia, cultura, moda e eventos.
A criação da Estação das Docas foi acompanhada de um longo debate social, que gerou muitas discussões e guerra de opiniões na imprensa escrita paraense quando o equipamento foi proposto e inaugurado. Os jornais de maior circulação no estado repercutiam as polêmicas com discursos diferentes: de um lado O Liberal defendia as obras da SECULT, e do outro O Diário do Pará fazia a oposição. O Jornal Pessoal, veículo de menor circulação escrito por Lúcio Flávio Pinto, também causou grande impacto com suas publicações polêmicas em torno da obra da Estação das Docas em 1999, um ano antes da inauguração. Em uma matéria sobre o assunto, Lúcio dizia que a obra era um “elefante branco”: o que deveria custar cerca de R$6,2 milhões, estourou em 50% o orçamento. Outra crítica feita por Lúcio era que os grupos políticos não pensam no melhor uso que as obras poderiam oferecer em benefício do cidadão, e sim disputam o controle do poder visando seus próprios interesses. Ou seja, não há relação entre as obras feitas pelo Governo do Estado e pela Prefeitura.
No ano da inauguração, o governo do Estado anunciou um estudo de viabilidade econômica e financeira, realizado em 1997, em resposta a toda a repercussão que a obra da Estação das Docas havia causado, e este atestou a viabilidade do empreendimento. Entretanto, este estudo levava em consideração a parte comercial, o que irritou ainda mais os seus críticos devido à demonstração da preocupação apenas com o sucesso econômico, pouco levando em consideração questões como a democracia cultural do espaço, e à precariedade de informações sobre os reais objetivos da Estação e como ela se encaixaria no planejamento das políticas culturais do Pará.
Mesmo sem dar muitas informações sobre as possibilidades culturais do novo equipamento, nos meses que antecederam a inauguração, o governo do Estado realizou fortes campanhas publicitárias, visando promover o espaço. E a mídia novamente atacou, com diferentes abordagens. O jornal O Liberal enfatizou os ganhos que a Estação das Docas ia proporcionar à cidade de Belém, aos seus habitantes e aos turistas. O jornal Diário do Pará geralmente criticava a Estação das Docas nas suas reportagens, falando sobre o elevado custo da obra, das investigações do Ministério Público sobre a mesma, do caráter elitista e da gentrificação.
Paulo Chaves se defendeu dizendo:

“Nós estamos criando um espaço aberto, democrático para toda a sociedade. Não tem sentido permitir que camelôs impeçam a visão para o rio. Ninguém pagará nada para entrar aqui e se a pessoa que visitar a Estação não tiver dinheiro para comprar uma pipoca ou um refrigerante, vai no mínimo assistir a um belo pôr-do-sol”, disse o secretário. (AMBULANTES terão de sair da calçada. Diário do Pará, Belém, 12 maio. 2000. Cidades, p.05)

De um lado abordagens que viam a Estação como um novo ponto de lazer para a cidade e gerador de emprego e renda, do outro lado temas como o superfaturamento, desvio de verbas e elitização do espaço. Mas o principal comentário era a prioridade de investimento em outros setores, como em saúde e educação. A SECULT defendia, evidenciando sempre a importância da cultura, do resgate da história da cidade e da valorização do patrimônio histórico.
Apesar de todos os debates e críticas realizados desde o momento que o projeto de revitalização da antiga zona portuária de Belém foi apresentado, e até mesmo depois de sua inauguração, vale ressaltar que, hoje, o equipamento está inserido efetivamente na dinâmica cultural da cidade, com programações destinadas a todo tipo de faixa etária, tais como o Projeto Pôr-do-Som e Teatro ao Pôr-do-Sol. Esses projetos existem há mais de dez anos e são um marco cultural do local.

Estação das Docas.
Fonte: Arquivo pessoal de Renato Lobo.

Ao reconhecerem a importância do turismo para a economia, os governos investem em infraestrutura básica e turística, e acabam contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes. Para o governo do Pará, revitalizar a área portuária era resgatar a visibilidade do rio e oferecer à cidade um espaço para manifestações culturais e artísticas.
O custo total das obras foi de aproximadamente 25 milhões de reais, em que o governo estadual financiou 19 milhões e o restante veio de empresários que exploram comercialmente o espaço. A partir desses valores, podemos pensar acerca da questão de prioridades de investimento no ambiente urbano. O investimento feito pelo governo do estado do Pará gera lucro, emprego e renda, mas podemos questionar se esses mesmos valores investidos em outros setores trariam melhores benefícios às camadas mais carentes da população.
*Estudante de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Tocantins e Pré-Analista de projetos de combate à incêndio no Corpo de Bombeiros Militar do Tocantins.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBALHO, Alexandre, e FREITAS, Ana Paula. Política cultural e consumo na região amazônica: um estudo dos públicos da Estação das Docas em Belém do Pará. 130 ALCEU, v. 12, n.23, p. 130 a 142 - jul./dez. 2011.

FREITAS, Ana Paula. Representações Midiáticas e Políticas Culturais: A Estação das Docas em debate. In: CONGRESSO MUNDIAL DE COMUNICAÇÃO IBERO-AMERICANA, 1, 2011, São Paulo.

FRANÇA, Jéssika Paiva. Gestão dos espaços públicos de lazer, turismo e paisagem urbana/Belém – PA. Caderno Virtual de Turismo, vol. 5, n 2, Belém, 2005.

TOMAZI, Vicente Torres. Urbanização Turística em Belém-PA. In: Encontro Nacional da ANPUR, 14, 2011, Rio de Janeiro.

TEIXEIRA, Luciana Guimarães. The Porto of Pará: o porto da história Amazônica. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR, 11, 2005, Salvador.

PONTE, Juliano Pamplona Ximenes. Cidade e água: Belém/PA e estratégias de reapropriação das margens fluviais. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR, 12, 2007, Belém.

A Estação das Docas: tudo de melhor em um só lugar. Disponível em <http://www.estacaodasdocas.com.br/institucional/sobre/> Acesso em: 17 de janeiro de 2014.

A história de Belém do Pará. Disponível em <http://www.belemdopara.tur.br/historia.html> Acesso em 21 de janeiro de 2014.


Um comentário:

  1. Bom dia, gostaria de saber como posso acessar o Estudo de Impacto Ambiental do Projeto Estação das Docas.
    contato: gestao.peixoto@gmail.com

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