O material publicado neste blog é resultado dos trabalhos desenvolvidos na disciplina História da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Tocantins. Os temas dos artigos resultaram da Visita técnica realizada à cidade de Belém do Pará, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013, coordenada pela professora Patrícia Orfila, responsável pela disciplina.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

INTERVENÇÃO URBANA NA CIDADE DE BELÉM NO ESTADO DO PARÁ E NA CIDADE DE PALMAS NO ESTADO DO TOCANTINS.


Zulmira Cristina Corrêa[1]


Primeiramente, gostaria de deixar registrado que mesmo sendo aluna de outro curso na Universidade Federal do Tocantins e não tendo viajado para Belém, no estado do Pará; as aulas da disciplina de História da Arquitetura e Urbanismo no Brasil no curso de Arquitetura estão sendo muito interessantes e quebrando paradigmas. Digo isso, porque tinha a impressão de que arquitetos eram pessoas muito técnicas, preocupadas apenas com medidas, espaços e estética. E as aulas demonstram que se deve respeitar a cidade como um conjunto, respeitar a história de vida das pessoas e dos prédios com os quais os arquitetos trabalham. Muito interessante refletir sobre a arquitetura popular, pensar que operários, índios, pescadores também exercem a arquitetura ao construir o lar de suas famílias. Tal reflexão demonstrou para mim, que arquitetos além de mexerem com réguas, medidas, cores, também são profissionais com uma sensibilidade humanitária apurada, não apenas técnica, ao reconhecer a arquitetura popular e respeitar a história das pessoas, da cidade e do Brasil.
Este trabalho analisará duas intervenções urbanas, na cidade de Belém e na cidade de Palmas, que ocorreram em circunstâncias diferentes. O objetivo de tal estudo será demonstrar o quanto a valorização da arquitetura e urbanismo de uma cidade pode transformar a vida social, cultural e econômica do cidadão.
Conforme Lima e Teixeira (2006, p. 1), a cidade de Belém foi fundada em 1616, sendo o rio o fator preponderante para sua localização, afinal o rio servia como via de comércio, de transporte, ou seja, dava dinâmica a cidade.
A cidade era um núcleo colonial dos portugueses, daí se entende a quantidade de prédios coloniais, de palacetes, de igrejas com as características de igrejas portuguesas. E tais construções constituem a história da cidade e sua consequente evolução (LIMA; TEIXEIRA, 2006, p. 2).
Foto 1: Belém (arquivo da Turma)


Foto 2:  Belém (arquivo da Turma)

Entretanto, o respeito por tais construções nem sempre foi considerado. Os supracitados autores, afirmam que até a década de 80, muitos edifícios novos substituíram edifícios antigos, o que deteriorou a paisagem urbana. Exemplos deste fato neste período são os prédios contemporâneos da Receita Federal e do Banco Central.
Já a partir da década de 90, preocupados em valorizar e resgatar as paisagens históricas da cidade iniciou-se um movimento pela abertura visual para o Rio Guamá e para a Baía do Guajará, de forma a voltar à condição de cidade ribeirinha (LIMA; TEIXEIRA, 2006, p. 4).
 Tal vontade concretizou-se com a aprovação do Plano Diretor do Município de Belém em 1993, através da Lei n° 7.603, de 13 de janeiro de 1993. Nota-se que, no artigo 2°, IX, “a” da supracitada lei, diz que é fundamental como diretriz geral no desenvolvimento do município a preservação, valorização e a difusão do patrimônio cultural, artístico e histórico, além da integração dos sistemas de transporte público aos objetivos da política de uso e ocupação do solo municipal e metropolitano.
Dentre os diversos projetos realizados podemos destacar o complexo turístico “Estação das Docas” e o complexo “Ver- o-peso”. O primeiro tinha como objetivo abrigar um centro turístico e cultural num porto que tinha sido criado durante a época do ciclo da borracha, porém nunca havia chegado ao seu ápice. Com todas as dificuldades, foi concretizado o projeto e o complexo “Estação das Docas” dividiu-se em três galpões que distribuíram cultura, gastronomia e comércio (LIMA; TEIXEIRA, 2006, p. 5-16).
Já o complexo “Ver- o-peso” contou com muitas dificuldades administrativas políticas, todavia, é considerado uma das grandes expressões da arquitetura de ferro no Brasil. E vem buscando a cada dia o aprimoramento da segurança, da cultura, da organização geral, para que o cidadão possa ali frequentar de forma tranquila (LIMA; TEIXEIRA, 2006, p. 25-26).
Analisando a intervenção urbana na cidade de Belém, através desses dois complexos, percebe-se que tal ação foi voltada principalmente, para o lado turístico, abrindo o olhar para o rio e para a utilização da orla pela cidade. Além da busca pela preservação dos valores culturais e dos costumes da região.
Ressalta-se que, como ocorreram benfeitorias na orla, em geral, da cidade de Belém, isso, provavelmente, ocasionou uma valorização imobiliária daquela região.
Já partindo para a intervenção da cidade de Palmas, no estado do Tocantins, devemos primeiro contextualizá-la historicamente. A cidade de Palmas foi fundada em 20 de maio de 1889.
Moraes (2003, p. 140) afirma que o “projeto de Palmas representa uma concepção moderna com bases marcantes ainda nos ideais urbanísticos de Le Corbuiser, nos princípios da Carta de Atenas, nas cidades howardianas [...]”.
Palmas é uma cidade planejada, e isso é fato notório. O que não se visualiza é o ideal dos arquitetos que a projetaram, pois a ideia inicial segundo Moraes (2003, p. 142), era para que Palmas fosse uma cidade sustentável, que valorizasse o meio ambiente e principalmente, o pedestre. Os arquitetos queriam fazer o contraposto de Brasília, que é considerada a cidade do automóvel.
Entretanto, com um ligeiro olhar para a cidade de Palmas percebe-se que o pedestre não é tão valorizado assim, afinal não é toda a cidade que conta com calçadas de ambos os lados da rua para os pedestres. Existem muitos vazios urbanos, o que torna o passeio perigoso e distante; o clima dessa região é predominantemente quente, o que impossibilita os pedestres, muitas vezes, de transitarem nas calçadas, pois não existem árvores frondosas para refrescar o clima. As árvores existentes são tipicamente do cerrado, com estrutura mais recolhida, troncos retorcidos e secos.  
Foto 3: Palmas (arquivo pessoal)

Conforme Bazolli (2013, p. 1), a cidade de Palmas apresenta sérios problemas urbanos resultantes do crescimento desordenado e dos vazios urbanos, com reflexo direto no custo da urbanização. Durante o seu processo de ocupação a cidade mostrou que a dispersão e os vazios urbanos revelaram-se contraditórios em relação à proposta dos planejadores.
E essa ocupação desordenada tem interesses políticos e econômicos, afinal os políticos e a elite querem afastar a população carente para lugares distantes do centro da cidade. Desta forma, a elite se vê acomodada com todo o conforto e segurança do centro da cidade, com seus shoppings e comércios. Enquanto a população carente é afastada para as extremidades do plano diretor, e se vê desassistida de transporte público, escolas, creches e hospitais.
Existem interesses econômicos também, pois estabelecendo pessoas com menor poder aquisitivo longe do centro da cidade, consequentemente, os preços das habitações no centro ficam mais altos, pois ali só vão moram os avantajados financeiramente.
Nesse sentido, foi-se criando vazios urbanos no centro do plano diretor, porque os proprietários não vendem tais lotes, pois contam com a certeza da valorização imobiliária e com a ausência do poder de polícia da administração municipal, que poderia coagi-los legalmente a construírem nesses lotes. E devido a tudo isso, pessoas pobres não conseguem comprar tais propriedades e como reflexo, os vazios urbanos se consolidaram na cidade de Palmas.
Em 2007 e com mais força em 2011, foi lançada e discutida a proposta de expansão do plano diretor de Palmas, orquestrada por vereadores que se dizem defensores do povo pressionados pelo setor imobiliário, setor este que quer a valorização dos imóveis do centro e também vender mais e mais lotes nas extremidades da cidade. Do outro lado, está um grupo de resistência, que é contrário a expansão, e quer uma cidade sustentável, digna e cidadã (BAZOLLI, 2013, p. 3).
O projeto apresentado pelos vereadores da cidade de Palmas consiste em expandir a cidade em direção à região norte (15 Km), sul (15 Km) e para a faixa leste (2 Km), segundo Bazolli (2013, p. 3). Agora imaginem, se nas proximidades do centro da cidade existem quadras ainda não afastadas, imaginem a 15 km! Constituirá uma comunidade semirrural desassistida. Pensem nas dificuldades que já existem nos transportes públicos de Palmas, agora imaginem o transporte público que chegaria nessas áreas afastadas!
Conclui-se que esse projeto de expansão do plano diretor não se constitui social, sustentável, democrático, e muito menos, igualitário. A Universidade Federal do Tocantins se mobilizou contra tal projeto, o Ministério Público Estadual, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), em conjunto ajuizaram uma ação civil pública contra tal projeto, conforme Bazolli (2013, p. 4). Ou seja, a sociedade tem se mobilizado contra o projeto de expansão do plano diretor e os vereadores têm encontrado dificuldades com essa repercussão e pressão popular.
Desta feita, coloca-se uma comparação entre as intervenções urbanas na cidade de Belém e em Palmas: Belém, em decorrência de sua história colonial deixou uma carga cultural evidente nas construções. Entretanto, a cidade foi crescendo e substituindo as construções históricas, demonstrando um total desrespeito ao patrimônio histórico e cultural daqueles cidadãos. Logo, a intervenção urbana, aqui relatada, naquela cidade voltou-se principalmente para o lado cultural.
Sem deixar de considerar que a qualidade de vida do cidadão também foi observada, como frisa o artigo 1° da Lei n° 7.603/93 (Plano Diretor de 1993), afinal, com a aplicação dos projetos naquela cidade valorizou-se a cultura, educação, bem-estar, lazer.
Já a intervenção urbana na cidade de Palmas, ocorre não para resguardar ou resgatar um patrimônio histórico, até porque a cidade é muito jovem. Busca-se sim, um benefício econômico, pois os únicos beneficiados com a proposta de expansão do plano diretor serão o setor imobiliário e a classe abastada financeiramente que detém condições para adquirir e/ou manter propriedades no plano central da cidade.
Ressalta-se que a intervenção urbana em Palmas não atende a um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previsto no art. 3°, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que é: erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Assim de primeira vista, parecem intervenções muito distintas as ocorridas em Belém e Palmas, porém observa-se que em ambas, há um alicerce econômico. Afinal, Belém propôs resgatar seu patrimônio histórico, interessado também no movimento turístico que tal ação traria para a cidade. Afinal, o ciclo da borracha havia acabado, e como atrair a atenção novamente para Belém? Uma opção era através do turismo, da diversidade gastronômica e cultural, ao menos, no primeiro momento.
Já a cidade de Palmas, como dito antes, tem alicerce fortemente econômico. Busca-se marginalizar a população pobre, vender lotes para essas famílias pobres nas extremidades da cidade e supervalorizar os lotes já existentes.
Conclui-se que a intervenção urbana é válida, tanto em Palmas quanto em Belém, desde que atenda os anseios da população ali residente e a população visitante, desde que não viole direitos básicos, como o da igualdade, da educação, da acessibilidade, do lazer, da saúde, do emprego e da segurança.





REFERÊNCIAS

BAZOLLI, João Aparecido. A mobilização social em Palmas–TO e os instrumentos de participação social: dilemas do poder local e sociedade na produção do espaço na cidade. Trabalho em construção para conclusão em Pós-Graduação em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos.


BELÉM. Lei n° 7.603, de 13 de janeiro de 1993. Disponível em: <http://cm-belem.jusbrasil.com.br/legislacao/585164/lei-7603-93> Acesso em 18.01.2014.


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 31.01.2014.


LIMA, Júlio José; TEIXEIRA, Luciana G. Janelas para o rio: projetos de intervenção na orla urbana de Belém do Pará. In: VARGAS, Heliana Comin, CASTILHO, Ana Luisa H. Intervenções em centros urbanos: objetivos, estratégias e resultados. Barueri, SP: Manole, 2006.


MORAES, Lúcia Maria. A segregação planejada: Goiânia, Brasília e Palmas. 2. ed. Goiânia: Ed. da UCG, 2003.

[1] Acadêmica matriculada no 9° período do Curso de Direito na Universidade Federal do Tocantins, e que está cursando a disciplina de História da Arquitetura e Urbanismo no Brasil.

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