INTERVENÇÃO
URBANA NA CIDADE DE BELÉM NO ESTADO DO PARÁ E NA CIDADE DE PALMAS NO ESTADO DO
TOCANTINS.
Zulmira Cristina Corrêa[1]
Primeiramente, gostaria de
deixar registrado que mesmo sendo aluna de outro curso na Universidade Federal
do Tocantins e não tendo viajado para Belém, no estado do Pará; as aulas da
disciplina de História da Arquitetura e Urbanismo no Brasil no curso de Arquitetura
estão sendo muito interessantes e quebrando paradigmas. Digo isso, porque tinha
a impressão de que arquitetos eram pessoas muito técnicas, preocupadas apenas
com medidas, espaços e estética. E as aulas demonstram que se deve respeitar a
cidade como um conjunto, respeitar a história de vida das pessoas e dos prédios
com os quais os arquitetos trabalham. Muito interessante refletir sobre a
arquitetura popular, pensar que operários, índios, pescadores também exercem a
arquitetura ao construir o lar de suas famílias. Tal reflexão demonstrou para
mim, que arquitetos além de mexerem com réguas, medidas, cores, também são profissionais
com uma sensibilidade humanitária apurada, não apenas técnica, ao reconhecer a
arquitetura popular e respeitar a história das pessoas, da cidade e do Brasil.
Este trabalho analisará duas
intervenções urbanas, na cidade de Belém e na cidade de Palmas, que ocorreram
em circunstâncias diferentes. O objetivo de tal estudo será demonstrar o quanto
a valorização da arquitetura e urbanismo de uma cidade pode transformar a vida
social, cultural e econômica do cidadão.
Conforme Lima e Teixeira
(2006, p. 1), a cidade de Belém foi fundada em 1616, sendo o rio o fator
preponderante para sua localização, afinal o rio servia como via de comércio,
de transporte, ou seja, dava dinâmica a cidade.
A cidade era um núcleo
colonial dos portugueses, daí se entende a quantidade de prédios coloniais, de
palacetes, de igrejas com as características de igrejas portuguesas. E tais
construções constituem a história da cidade e sua consequente evolução (LIMA;
TEIXEIRA, 2006, p. 2).
Foto 1: Belém (arquivo da Turma)
Foto 2: Belém (arquivo da Turma)
Entretanto, o respeito por
tais construções nem sempre foi considerado. Os supracitados autores, afirmam
que até a década de 80, muitos edifícios novos substituíram edifícios antigos,
o que deteriorou a paisagem urbana. Exemplos deste fato neste período são os
prédios contemporâneos da Receita Federal e do Banco Central.
Já a partir da década de 90,
preocupados em valorizar e resgatar as paisagens históricas da cidade
iniciou-se um movimento pela abertura visual para o Rio Guamá e para a Baía do
Guajará, de forma a voltar à condição de cidade ribeirinha (LIMA; TEIXEIRA,
2006, p. 4).
Tal vontade concretizou-se com a aprovação do
Plano Diretor do Município de Belém em 1993, através da Lei n° 7.603, de 13 de
janeiro de 1993. Nota-se que, no artigo 2°, IX, “a” da supracitada lei, diz que
é fundamental como diretriz geral no desenvolvimento do município a
preservação, valorização e a difusão do patrimônio cultural, artístico e
histórico, além da integração dos sistemas de transporte público aos objetivos
da política de uso e ocupação do solo municipal e metropolitano.
Dentre os diversos projetos
realizados podemos destacar o complexo turístico “Estação das Docas” e o
complexo “Ver- o-peso”. O primeiro tinha como objetivo abrigar um centro turístico
e cultural num porto que tinha sido criado durante a época do ciclo da
borracha, porém nunca havia chegado ao seu ápice. Com todas as dificuldades,
foi concretizado o projeto e o complexo “Estação das Docas” dividiu-se em três
galpões que distribuíram cultura, gastronomia e comércio (LIMA; TEIXEIRA, 2006,
p. 5-16).
Já o complexo “Ver- o-peso”
contou com muitas dificuldades administrativas políticas, todavia, é
considerado uma das grandes expressões da arquitetura de ferro no Brasil. E vem
buscando a cada dia o aprimoramento da segurança, da cultura, da organização
geral, para que o cidadão possa ali frequentar de forma tranquila (LIMA;
TEIXEIRA, 2006, p. 25-26).
Analisando a intervenção
urbana na cidade de Belém, através desses dois complexos, percebe-se que tal
ação foi voltada principalmente, para o lado turístico, abrindo o olhar para o
rio e para a utilização da orla pela cidade. Além da busca pela preservação dos
valores culturais e dos costumes da região.
Ressalta-se que, como
ocorreram benfeitorias na orla, em geral, da cidade de Belém, isso,
provavelmente, ocasionou uma valorização imobiliária daquela região.
Já partindo para a
intervenção da cidade de Palmas, no estado do Tocantins, devemos primeiro
contextualizá-la historicamente. A cidade de Palmas foi fundada em 20 de maio
de 1889.
Moraes (2003, p. 140) afirma
que o “projeto de Palmas representa uma concepção moderna com bases marcantes
ainda nos ideais urbanísticos de Le Corbuiser, nos princípios da Carta de
Atenas, nas cidades howardianas [...]”.
Palmas é uma cidade
planejada, e isso é fato notório. O que não se visualiza é o ideal dos
arquitetos que a projetaram, pois a ideia inicial segundo Moraes (2003, p.
142), era para que Palmas fosse uma cidade sustentável, que valorizasse o meio
ambiente e principalmente, o pedestre. Os arquitetos queriam fazer o
contraposto de Brasília, que é considerada a cidade do automóvel.
Entretanto, com um ligeiro
olhar para a cidade de Palmas percebe-se que o pedestre não é tão valorizado
assim, afinal não é toda a cidade que conta com calçadas de ambos os lados da
rua para os pedestres. Existem muitos vazios urbanos, o que torna o passeio
perigoso e distante; o clima dessa região é predominantemente quente, o que
impossibilita os pedestres, muitas vezes, de transitarem nas calçadas, pois não
existem árvores frondosas para refrescar o clima. As árvores existentes são
tipicamente do cerrado, com estrutura mais recolhida, troncos retorcidos e
secos.
Foto 3: Palmas (arquivo pessoal)
Conforme Bazolli (2013, p. 1),
a cidade de Palmas apresenta sérios problemas urbanos resultantes do
crescimento desordenado e dos vazios urbanos, com reflexo direto no custo da
urbanização. Durante o seu processo de ocupação a cidade mostrou que a
dispersão e os vazios urbanos revelaram-se contraditórios em relação à proposta
dos planejadores.
E essa ocupação desordenada
tem interesses políticos e econômicos, afinal os políticos e a elite querem
afastar a população carente para lugares distantes do centro da cidade. Desta
forma, a elite se vê acomodada com todo o conforto e segurança do centro da
cidade, com seus shoppings e comércios. Enquanto a população carente é afastada
para as extremidades do plano diretor, e se vê desassistida de transporte
público, escolas, creches e hospitais.
Existem interesses econômicos
também, pois estabelecendo pessoas com menor poder aquisitivo longe do centro
da cidade, consequentemente, os preços das habitações no centro ficam mais
altos, pois ali só vão moram os avantajados financeiramente.
Nesse sentido, foi-se criando
vazios urbanos no centro do plano diretor, porque os proprietários não vendem
tais lotes, pois contam com a certeza da valorização imobiliária e com a
ausência do poder de polícia da administração municipal, que poderia coagi-los
legalmente a construírem nesses lotes. E devido a tudo isso, pessoas pobres não
conseguem comprar tais propriedades e como reflexo, os vazios urbanos se
consolidaram na cidade de Palmas.
Em 2007 e com mais força em
2011, foi lançada e discutida a proposta de expansão do plano diretor de
Palmas, orquestrada por vereadores que se dizem defensores do povo pressionados
pelo setor imobiliário, setor este que quer a valorização dos imóveis do centro
e também vender mais e mais lotes nas extremidades da cidade. Do outro lado,
está um grupo de resistência, que é contrário a expansão, e quer uma cidade
sustentável, digna e cidadã (BAZOLLI, 2013, p. 3).
O projeto apresentado pelos
vereadores da cidade de Palmas consiste em expandir a cidade em direção à
região norte (15 Km), sul (15 Km) e para a faixa leste (2 Km), segundo Bazolli
(2013, p. 3). Agora imaginem, se nas proximidades do centro da cidade existem
quadras ainda não afastadas, imaginem a 15 km! Constituirá uma comunidade semirrural
desassistida. Pensem nas dificuldades que já existem nos transportes públicos
de Palmas, agora imaginem o transporte público que chegaria nessas áreas
afastadas!
Conclui-se que esse projeto
de expansão do plano diretor não se constitui social, sustentável, democrático,
e muito menos, igualitário. A Universidade Federal do Tocantins se mobilizou
contra tal projeto, o Ministério Público Estadual, o Conselho de Arquitetura e
Urbanismo (CAU), o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), em conjunto
ajuizaram uma ação civil pública contra tal projeto, conforme Bazolli (2013, p.
4). Ou seja, a sociedade tem se mobilizado contra o projeto de expansão do
plano diretor e os vereadores têm encontrado dificuldades com essa repercussão
e pressão popular.
Desta feita, coloca-se uma
comparação entre as intervenções urbanas na cidade de Belém e em Palmas: Belém,
em decorrência de sua história colonial deixou uma carga cultural evidente nas
construções. Entretanto, a cidade foi crescendo e substituindo as construções
históricas, demonstrando um total desrespeito ao patrimônio histórico e
cultural daqueles cidadãos. Logo, a intervenção urbana, aqui relatada, naquela
cidade voltou-se principalmente para o lado cultural.
Sem deixar de considerar que
a qualidade de vida do cidadão também foi observada, como frisa o artigo 1° da
Lei n° 7.603/93 (Plano Diretor de 1993), afinal, com a aplicação dos projetos
naquela cidade valorizou-se a cultura, educação, bem-estar, lazer.
Já a intervenção urbana na
cidade de Palmas, ocorre não para resguardar ou resgatar um patrimônio histórico,
até porque a cidade é muito jovem. Busca-se sim, um benefício econômico, pois
os únicos beneficiados com a proposta de expansão do plano diretor serão o
setor imobiliário e a classe abastada financeiramente que detém condições para
adquirir e/ou manter propriedades no plano central da cidade.
Ressalta-se que a
intervenção urbana em Palmas não atende a um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, previsto no art. 3°, inciso III, da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que é: erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Assim de primeira vista,
parecem intervenções muito distintas as ocorridas em Belém e Palmas, porém
observa-se que em ambas, há um alicerce econômico. Afinal, Belém propôs
resgatar seu patrimônio histórico, interessado também no movimento turístico
que tal ação traria para a cidade. Afinal, o ciclo da borracha havia acabado, e
como atrair a atenção novamente para Belém? Uma opção era através do turismo, da
diversidade gastronômica e cultural, ao menos, no primeiro momento.
Já a cidade de Palmas, como
dito antes, tem alicerce fortemente econômico. Busca-se marginalizar a
população pobre, vender lotes para essas famílias pobres nas extremidades da
cidade e supervalorizar os lotes já existentes.
Conclui-se que a intervenção
urbana é válida, tanto em Palmas quanto em Belém, desde que atenda os anseios
da população ali residente e a população visitante, desde que não viole
direitos básicos, como o da igualdade, da educação, da acessibilidade, do
lazer, da saúde, do emprego e da segurança.
REFERÊNCIAS
BAZOLLI,
João Aparecido. A mobilização social em
Palmas–TO e os instrumentos de participação social: dilemas do poder local e
sociedade na produção do espaço na cidade. Trabalho em construção para
conclusão em Pós-Graduação em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos.
BELÉM.
Lei n° 7.603, de 13 de janeiro de 1993.
Disponível em: <http://cm-belem.jusbrasil.com.br/legislacao/585164/lei-7603-93> Acesso em 18.01.2014.
BRASIL.
Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em
31.01.2014.
LIMA,
Júlio José; TEIXEIRA, Luciana G. Janelas
para o rio: projetos de intervenção na orla urbana de Belém do Pará. In:
VARGAS, Heliana Comin, CASTILHO, Ana Luisa H. Intervenções em centros urbanos:
objetivos, estratégias e resultados. Barueri, SP: Manole, 2006.
MORAES,
Lúcia Maria. A segregação planejada:
Goiânia, Brasília e Palmas. 2. ed. Goiânia: Ed. da UCG, 2003.
[1]
Acadêmica matriculada no 9° período do Curso de Direito na Universidade Federal do
Tocantins, e que está cursando a disciplina de História da Arquitetura e
Urbanismo no Brasil.
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